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Feminismo, força e leveza

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“Daqui a uns anos eu quero ver imagens como essa nos livros, sendo estudadas por crianças, contando a história de como as mulheres lutaram pra combater alguém que não as respeitava”. Foto citada na legenda: mulheres sorrindo, com as mãos fechadas em sinal de luta, vestindo camisetas e empunhando placas com a hashtag #elenão.
“Uma manhã eu acordei e ecoava ele não, ele não, ele não não não. Uma manhã eu acordei e lutei contra um opressor. Somos mulheres, a resistência de um Brasil sem fascismo e sem horror. Vamos à luta pra derrotar o ódio. E pregar o amor”. O texto, em forma de poesia, adorna uma foto em que uma pessoa segura um cartaz com a hashtag #Ernicht. Na localização: Berlim, Alemanha.
“Em Londres, coisa linda de se ver”. Na fotografia, uma grande manifestação com um cartaz em primeiro plano, com a hashtag #elenão. Ao fundo, Westminster.
Está tudo na internet, pelas redes sociais e pela imprensa mundial.
Teve Berlim, Londres, Paris, Dublin, Estocolmo. Teve São Paulo, Rio, Natal, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza. Eram meninas, adolescentes, mulheres, idosas, homens, rapazes, idosos, gays, transgêneros, meninos, famílias. No fim, virou uma grande festa, uma grande manifestação pacífica que correu o Brasil e o mundo contra um candidato.
Mas a parte que mais interessa a esta articulista na manifestação que agitou e mudou o sábado de um país é lembrar que tudo começou com um grupo de mulheres que resolveu se unir para protestar nas redes sociais. Uma convidou a outra, que convidou outra e outra e outra. O número de adesões explodiu e em poucos dias chegou a um milhão. Dois milhões contra um candidato. E não parou mais de crescer. Virou notícia. Foi parar na mídia internacional. Dentro do grupo, fechado só para mulheres, começou a organização de uma manifestação física, presencial, que deveria carregar consigo a mesma força, bom humor, união e solidariedade que marcaram o grupo fechado na rede social. Um fenômeno.
Houve ameaça, represália, vindas do lado de lá. A rede social foi invadida, hackeada por piratas virtuais – aquelas pessoas que roubam senhas para se apossar de e-mails e perfis alheios. A página travou. Vídeos se espalharam em grupos de mensagens instantâneas com recados de dar medo às mulheres organizadoras do movimento. Essas pessoas só se esqueceram de que estavam lidando com… mulheres. A reação foi rápida. E bonita de se ver. Postagens denunciando as invasões e ameaças inundaram as redes, chegaram à imprensa. A senha foi novamente trocada, a página foi trancada, as organizadoras recuperaram o controle do grupo na rede social. Os chamados para a grande manifestação presencial se intensificaram. Em momento algum a violência foi tratada com violência. A onda do #elenão se espalhou por todos os cantos do país, saltou para o mundo e o resultado todos puderam ver no último sábado.
Goste ou não do movimento das mulheres contra o candidato, goste ou não do candidato, a força dessas mulheres é inegável. A força e a leveza. Sim, foi leve. E bonito. E ponto.
Qualquer semelhança com Rosie The Riveter, a mitológica operária do quadro “We can do it” (nós podemos fazer isso, em português), que representava as mulheres americanas que pegaram no pesado durante a Segunda Guerra Mundial e partiram para os estaleiros e indústrias, fabricando munições e armas em substituição aos homens que tinham ido para a guerra, ou, antes disso, com as sufragistas inglesas do século 19, que puxaram a fila de lutas pelo direito ao voto feminino, ou com as operárias russas que saíram às ruas para protestar contra a fome e a Primeira Guerra Mundial, em 1917, ou com as feministas que impulsionaram as manifestações que fizeram maio de 68 entrar para a História não é mera coincidência. E ponto, de novo.

* Jornalista