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Praças e oficiais: mesma transgressão, julgamentos diferentes

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Há na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros três tipos de conselhos destinados a julgar transgressões disciplinares cometidas por seus integrantes, decidindo se podem ou não permanecer nas corporações. Os crimes cometidos por militares são julgados pela Justiça Comum, mas as comissões podem julgar se a conduta do policial justifica ou não sua exclusão.

O praça (soldado a sargento) com menos de 10 anos na corporação – considerado sem estabilidade – é submetido ao Conselho Regular de Disciplina (CRD). Aqueles com mais de 10 anos de serviço vão ao Conselho de Disciplina (CD). Tais conselhos são compostos por três oficiais militares. CD e CRD são processos administrativos disciplinares que se destinam a julgar a incapacidade presumida de praças das suas corporações.

Já os oficiais são submetidos a um Conselho de Justificação. A banca é formada por três oficiais de igual ou maior patente. A finalidade desse conselho é dar espaço para que o oficial se justifique para continuar na ativa, aí uma gritante diferença de abordagem. Enquanto no CRD e CD julga-se a incapacidade dos praças, no CJ abre-se um espaço para que o oficial apresente seus argumentos.

O que observamos durante anos de participação em CDs, CRDs e CJs é que são corriqueiros os julgamentos diferentes para uma mesma transgressão, dependendo se o julgado for oficial ou praça. Não há segurança juridical. Os corregedores julgam a seu bel prazer sem necessidade de maiores justificativas. As corporações não punem com base nos mesmos critérios, não há uma “jurisprudência” interna. Com base em nossa experiência, afirmamos que na grande maioria, a decisão do conselho não é acatada pelo corregedor. Então, para que existem os conselhos se suas decisões não são soberanas?

Mesmo sendo absolvido pelo Conselho Disciplinar ou pelo Conselho de Justificação, ou ainda no processo militar na auditoria, o comandante-geral pode simplesmente decidir punir o policial expulsando-o ou afastando da PMERJ por questões pessoais, políticas ou para responder de forma mais rápida à imprensa, fato que não é incomum no Estado do Rio de Janeiro.

O Art. 23 do Regulamento Disciplinar da PM diz que as punições disciplinares a que estão sujeitos os PMs obedecem ordem crescente de gravidade. Porém, na maioria absoluta dos casos, o comando decide pela exclusão a bem da disciplina em julgamento de praças, e em muitos casos há ainda a aplicação de duas punições para o mesmo fato. No artigo 26 sobre a “detenção”, observa-se no parágrafo 2 a possibilidade do oficial ou o aspirante-a-oficial ficar detido em sua residência, prerrogativa inexistente aos praças. A Constituição Federal não é respeitada, pois todos são iguais perante a lei.

O Código Penal e a doutrina majoritária proibem o bis in idem, que é a aplicação de duas punições para o mesmo fato. Já perdemos a conta de policiais e bombeiros que são presos administrativamente e depois excluídos da corporação. A polícia não observa esse princípio do Direito, só observa o que lhe convém.

Pelo exposto é certo haver inúmeros motivos para a extinção ou ampla reformulação do Regulamento Disciplinar. Desmilitarização não significa o fim da PM ou do BM, mas um novo começo, criando um espaço de trabalho saudável formado por militares tratados com respeito.

* Presidente da Associação de Ativos, Inativos, Pensionistas das Polícias Militares, Brigadas Militares e Corpos de Bombeiros

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