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Mais velho que o museu

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Em tempos de eleição, quando é natural que se prometa tudo, e prevaleça “o faço e aconteço”, até a culpa pelo incêndio que reduziu a cinzas o Museu Nacional no Rio recai sobre o teto de gastos do governo federal. Na economia não existe almoço grátis, uma das frases que melhor definem, de maneira simples e compreensível a todos, a ciência da escassez.
Alguém tem sempre de pagar a conta, e no caso, somos todos nós brasileiros. A fixação do teto de gastos foi uma maneira de se estabelecer um horizonte para o ajuste das finanças públicas – ponto para o ministro Meirelles, que não terá chance alguma na corrida presidencial, e para o Congresso, que aprovou a lei. Sem isso talvez estivéssemos em uma situação tão perigosa quanto a Argentina hoje.
O teto não foi estabelecido de forma irresponsável. O total de gastos pode ser corrigido pela inflação do ano anterior. E isso sobre uma base elevada, pois as despesas correntes têm superado as receitas em mais de R$ 150 bilhões. Portanto, há um excesso de gastos que produz um aumento considerável na dívida pública.
Há um limite de tolerância para esse endividamento. Os mercados (isto é, todos nós poupadores) aceitam financiar o rombo das contas públicas, e agora inclusive a taxas de juros mais baixas, se mais à frente veem a perspectiva de equilíbrio.
E o equilíbrio pode se dar por meio do teto de gastos, se mantido dentro do horizonte de pelo menos dez anos. Com a economia se recuperando, mesmo que modesta e lentamente, as receitas do setor público crescem em termos reais, enquanto as despesas ficarão estabilizadas. Haverá um momento, então, em que as receitas ultrapassarão os gastos, gerando os superávits primários tão necessários para segurar o avanço da dívida.
Também em termos nominais essa dívida pode aumentar, desde que o valor diminua como proporção do tamanho da economia. A dívida bruta consolidada do setor público está em 78% do Produto Interno Bruto. O ideal é que fique abaixo de 60%, que é o parâmetro adotado no Tratado de Maastricht pelos países que aderiram ao euro, a moeda única europeia. Como isso não é um número mágico, por prudência há quem defenda um parâmetro inferior, em torno de 50% do PIB, para as chamadas economias emergentes, entre as quais nos encontramos.
A questão é que, na composição dos gastos, algumas despesas se expandem autonomamente, sem que as autoridades consigam detê-las. A folha de pagamentos dos servidores ou os gastos de custeio podem ser controlados, mas não se consegue de antemão definir um teto para os desembolsos da previdência social. Assim, no conjunto dos gastos, há uma fatia que cresce mais que as outras. Sem uma mudança, os gastos da previdência vão espremendo os demais. Por isso, é que gastos vistos como não urgentes vão ficando para trás. E aí, coitadinho do Museu Nacional.
Tal qual o teto de gastos definiu um horizonte para o reequilíbrio das contas públicas, a previdência social também precisa de um para não inviabilizar o funcionamento do Estado, seja ele qual for, mínimo ou máximo. Há boas propostas de reforma sobre a mesa. Recentemente, a entidade que representa as seguradoras preparou um documento, endereçado aos presidenciáveis, que desafoga a previdência. Não se trata de uma proposta radical, de privatização, mas de uma combinação do atual sistema (de repartição de receitas, indicado para os que têm renda equivalente até dois salários mínimos) com o de capitalização. São propostas que, se avaliadas seriamente, tornarão a reforma palatável.
E pode nos livrar desse desequilíbrio nas finanças públicas, um mal que vem desde D. João VI e é mais velho que o Museu Nacional do Rio de Janeiro. Se déficit fiscal fosse mesmo a alavanca de uma economia, o Brasil seria hoje um país rico.

* A propósito, o jornalista sugere uma visita ao Museu Nacional de Belas Artes, no Rio. Vocês não sabem o que estão perdendo.