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Politização do Judiciário

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Tema recorrente é o da politização do Judiciário. Desse “Outro Desconhecido”, como dizia Aliomar Baleeiro, o Poder Judiciário adentra a cena política e ocupa o centro do noticiário nacional. Duas causas costumam ser apontadas para esse protagonismo: a criação da TV Justiça e a chamada “judicialização da política”. Por judicialização entendemos a busca do Judiciário, como terceiro desinteressado, para decidir um conflito que as partes não conseguem compor. Mas judicializar a política, no sentido trazido por Luiz Werneck Vianna, é utilizar o Judiciário como espaço republicano para a construção de agenda cívica: o Judiciário como “guardião dos valores fundamentais.” Seja na concessão de direitos negados pelo Executivo no rol das políticas públicas seja na esfera legislativa.


Sob esse aspecto se destaca a atuação do STF que, ao aplicar a Constituição, pode afastar uma norma em vigor, agindo como legislador negativo ao modificar o ordenamento jurídico vigente. Contudo, o movimento de judicialização da política não provoca, necessariamente, a politização do Judiciário. Em que pese uma possível coincidência entre o conteúdo das decisões e as agendas político-partidárias, o Judiciário decide sobre matéria de direito fundamental. Aplica direitos previstos constitucionalmente e essa é a sua principal função. O problema está quando as decisões das cortes impactam nos mecanismos de participação popular e isso é sabido. Aí podemos falar em politização do Judiciário e o problema está no uso que o Judiciário faz do seu poder decisório para além da questão sub judice. O Direito não pode servir de pretexto para a ação política, no sentido de interferir nos mecanismos de exercício legítimo da soberania popular.


No Brasil assistimos a esse fenômeno. Para o afastamento de Dilma Rousseff da presidência foram explorados crimes de natureza orçamentária. Mas, em que pese toda a discussão técnica e jurídica em torno das hipóteses do caso, e a eventual configuração de práticas delituosas com a aplicação de sanções, o Direito não pode servir de arma para a política. O Ministro relator do habeas corpus preventivo a favor do ex-presidente Lula, também como exemplo, ao perceber que sairia vencido na Segunda Turma, encaminhou a questão ao plenário do STF, alegando que dependia de decisão sobre matéria de fundo. A matéria de fundo não foi pautada pela presidente da Corte e, mesmo assim, a questão foi julgada. Independentemente do problema da execução provisória da pena, objeto da ação, sabia-se que a decisão teria impacto na vida política do país. E mais aberrante foi a pressa com que o TSE julgou a impugnação da candidatura do ex-presidente Lula, no último dia 31 de agosto, para retirá-lo da campanha eleitoral. São atos que podem ser vistos como instrumentais quando avaliadas em seu conjunto.


Esse tipo de conduta, política, se trasveste de jurídica na medida em que o Direito é utilizado como fonte de legitimidade. Mais grave ainda, quando se soma à atuação da grande imprensa. Autoridades judiciárias, ao decidirem politicamente, buscam legitimidade junto à opinião pública forjada por uma mídia que se apropria, cada vez, do discurso jurídico no seu sentido técnico. Cada vez mais jornalistas avocam uma autoridade científica para dizer o Direito, em consonância com o Judiciário que busca legitimidade na opinião pública. E isso só faz sentido sob a perspectiva da política, quando ações estratégicas estão em curso, porque Direito não é. Direito é a atuação dos tribunais nos limites do caso concreto.


Desde o julgamento do Mensalão, que entrou na casa das pessoas pelas telas de televisão, o Direito foi popularizado como escândalo capaz de provocar um sentimento mobilizador de revolta. E ali a aliança política entre o Judiciário e a grande imprensa se estabeleceu, criando as condições para a Lava Jato e seus desdobramentos. Portanto, o que a judicialização da política pode apresentar de positivo, em termos de garantias de direitos fundamentais, a politização do judiciário tem de detratora. Concluindo, vejo a aliança política entre o Judiciário e a imprensa monopolizada como um dos maiores desafios para o Estado Democrático de Direito.

* Professora de Direito da UFRJ (palestra proferida no I Simpósio Cebrad/JB - Perspectivas e Desafios do Brasil 2018)

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