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O exercício da política

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O exercício da política é arte manhosa, sinuosa, que ocorre dentro de objetivos definidos pelo seu responsável. O famoso pacto germano-soviético, assinado às vésperas do início da Segunda Guerra Mundial, é o retrato do pragmatismo elevado à máxima potência. Nazistas precisavam de tempo para melhorar o arsenal bélico destinado a invadir a União Soviética. Stalin precisava de maior prazo para organizar sua defesa. O conflito naquele momento não interessava a nenhuma das partes. Assinaram o tratado e dois anos depois o rasgaram sem cerimônia.


O Brasil está vivendo os momentos imediatamente anteriores ao conflito em campo aberto entre os candidatos à Presidência da República. A campanha eleitoral que agora salta para os aparelhos de rádio e de televisão alcançará em todo o país os 147.302.357 de eleitores. É muita gente. A maior parte, segundo as pesquisas, ainda está indecisa. A maioria não sabe em que direção deve se inclinar. Até o momento de acionar a urna eletrônica muita água e muita indecisão deverão passar por baixo da ponte das definições políticas. As entrevistas dos candidatos ajudaram pouco nas definições.


Os espetáculos midiáticos se transformaram numa espécie de inquirição raivosa de cada um dos candidatos. Eles se encolheram entre evasivas e não avançaram nada em matéria de projeto de governo. Perda de tempo. Até agora, portanto, as entrevistas desvendam pouco do que os candidatos podem oferecer. Há um campeonato de frases de efeito e de jogo de palavras. Quem consegue expor o erro, o defeito ou incompreensão do adversário, supostamente, ganha pontos com o espectador. É difícil medir até que ponto este jogo de espertezas seduz o eleitor.


A campanha eleitoral, curtíssima, foi imaginada para reduzir custos e proporcionar a oportunidade de o candidato falar diretamente a seu eleitor. Mais espaço não significa vantagem. Ulysses Guimarães, na eleição de 1989, tinha um verdadeiro latifúndio nas emissoras de televisão e ainda assim não chegou ao segundo turno. E o intrépido candidato que criou o bordão ”meu nome é Enéas” para caber no exíguo tempo de que dispunha acabou sendo puxador de votos em São Paulo. Foi eleito deputado com mais de um milhão de sufrágios. E elegeu um bom número de colegas na sua coligação para a Câmara Federal.


A presença maior da internet faz deste pleito a primeira grande experiência política digital no Brasil. Os grupos que se criam de maneira informal e rápida no sistema de telefonia, além da presença das redes sociais agilíssimas na difusão de projetos e destruição de reputações constituem novidades. No cenário atual, sem a presença de Lula, Bolsonaro está na frente. Alckmin, Álvaro Dias, Marina Silva e Ciro Gomes estão mais ou menos em torno do que se convencionou chamar de empate técnico. Só dois deles irão para o segundo turno. Haddad está atrás, agora. A capacidade de atrair votos, reduzir os de seu competidor e tentar se colocar no centro do debate político será fundamental. Não há favoritos, mesmo porque há razões de sobra para votar e não votar em cada um deles.


Este é o monumental desafio colocado diante dos candidatos a presidente do Brasil. É preciso lembrar que o país é um laboratório do chamado realismo fantástico praticado pela literatura latino-americana. Aqui, candidato preso solicita registro de candidatura, outro prega pena de morte, os problemas se repetem e a mesma pessoa que fez diversas revoluções e perdeu todas lança livro de memórias. É condenado, mas está em liberdade por uma suposta plausibilidade de um hipotético futuro recurso judicial. As promessas são espantosas, capazes de fazer corar frade de pedra. Difícil diante do deserto de ideias e propostas escolher um nome para depositar a confiança. Mas isso é fazer política no Brasil.

* Jornalista

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