BRASIL
'Jovens infratores são os mais vulneráveis socialmente no Brasil', diz pesquisador
Por GABRIEL MANSUR
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Publicado em 20/04/2023 às 17:21
Alterado em 20/04/2023 às 17:46
A criminalidade entre menores é um tema recorrente nos debates sobre segurança pública no Brasil. O país não apenas tem a terceira maior população carcerária do mundo, com quase 910 mil presos entre provisórios e condenados, como registra, hoje, mais de 117 mil adolescentes cumprindo medidas de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade, além de outros 26 mil jovens infratores vinculados às medidas de semiliberdade e internação estrita.
Os dados foram publicados a partir da Pesquisa Nacional de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto, realizada por docentes da Universidade Federal Fluminense (UFF), e escancaram uma problemática presente na sociedade brasileira.
Na análise de Elionaldo Fernandes Julião, professor da instituição e com mais de 25 anos de magistério, "jovens que cometeram atos infracionais são os sujeitos mais vulneráveis socialmente no Brasil". Entre estes, estão os negros, os pobres, e a população com baixo nível de instrução e que começou a trabalhar de forma precoce. Julião ainda relata que, segundo a pesquisa, a classe social tradicionalmente é levada em consideração pela Justiça na aplicação da sentença.
"Durante o curso de capacitação realizado com promotores públicos, ao apresentar essas informações, um deles afirmou que os dados não eram verdadeiros, pois passaram por ele muitos brancos de classe média; mas esse recorte ao qual nos referimos é dos adolescentes que tinham sido de fato sentenciados. A pesquisa demonstra que somente os pretos e pobres vão para o sistema socioeducativo, enquanto os outros são liberados", observou o pesquisador.
O perfil dos jovens
Um estudo mais aprofundado sobre o perfil dos menores infratores mostra que existem dois pesos e duas medidas nos julgamentos. Por exemplo: 91% não concluíram o Ensino Fundamental; 86% já foram agredidos por agentes do estado; quase 76,2% dos condenados são negros; 71% moram em áreas controladas pela milícia ou tráfico de drogas; e outros 34% possuem renda familiar de 1 a 3 salários mínimos.
"É preciso compreender a complexidade de ser jovem na sociedade contemporânea, principalmente das interseccionalidades vivenciadas pelos jovens das classes populares que, ao mesmo tempo, são vítimas, vulneráveis e autores da violência", salientou Julião.
Veja os números:
- Foram agredidos de forma violenta: 49,8%
- Foram agredidos pelos responsaáveis legais: 29,6%
- Sofreram violência policial: 86%
- Sofreram bullying: 30,3%
- Sofreram violência sexual: 2,3%
- Foram agredidos por conta da cor da pele ou religião: 12,7%
Implementação de políticas públicas como solução
De acordo com o especialista, o estudo tem potencial para contribuir na implementação de políticas públicas que tenham como escopo prevenir o envolvimento na prática de atos infracionais e executar as medidas legais educativas e de responsabilização.
"A partir do estudo, esperamos contribuir para a formulação e implementação de políticas públicas mais eficazes para crianças, adolescentes e jovens no estado do Rio de Janeiro, e subsidiando o debate dos profissionais dos sistemas de justiça e de garantias de direitos sobre a prevenção ao delito juvenil", completou.
A pesquisa
Com o objetivo de entender quem são esses sujeitos antes do ato infracional e contribuir no debate sobre educação, justiça, direitos humanos, violência, criminalidade, delinquência juvenil, e políticas de restrição e privação de liberdade, foi desenvolvido o estudo “Trajetórias de vida e escolar de jovens em situação de risco e vulnerabilidade social acusados de cometimento de ato infracional"
Em 2012, foi criado o Grupo de Trabalho e Estudos sobre Políticas de Restrição e Privação de Liberdade no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF, reunindo profissionais e pesquisadores de diversas instituições do estado Rio de Janeiro. Quatro anos depois, esse mesmo grupo integrou a terceira edição de uma pesquisa internacional coordenada pela Escola de Criminologia e Justiça Criminal da Universidade Northeastern, dos Estados Unidos.
A partir da entrada no cenário acadêmico internacional, a pesquisa contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) por meio do auxílio "Programa Jovem Cientista do Nosso Estado".
A primeira etapa da pesquisa foi realizada com alunos do 7º, 8º e 9º anos das redes municipais de educação, assim como no Sistema Socioeducativo do estado do Rio de Janeiro, buscando analisar elementos nas trajetórias de vida e escolar e nas práticas dos jovens que sejam possíveis identificar pistas para a compreensão do ato infracional.
Na etapa seguinte, que teve início em 2019, a pesquisa conseguiu analisar entrevistas realizadas pelos Promotores Públicos de Justiça da Infância e Juventude da Capital, a partir das oitivas informais (audição das testemunhas ou daqueles que se encontram envolvidos no processo que está sendo julgado) dos adolescentes em conflito com a lei (liberados e apreendidos), acusados de cometimento de ato infracional.
"Aplicamos um questionário com os adolescentes que estavam em cumprimento de medidas socioeducativas e nas escolas. Muitas das questões que estavam sendo apresentadas pelos jovens fora da escola eram as mesmas que apareciam também para os adolescentes que cometeram infrações. Ou seja, a gente começa a perceber que eram as mesmas informações nesses dois cenários e grupos. Existe um limite muito tênue entre esses adolescentes", finalizou.
* Com UFF