SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O prédio estimado em R$ 1,2 bilhão que o Tribunal de Justiça de São Paulo quer levantar no centro da capital paulista é parte de plano que prevê a criação de uma "cidade judiciária" na região, com edifícios da corte interconectados por meio de túneis.
Entre idas e vindas desde os anos 1970, a ideia voltou à tona após o presidente do TJ-SP, Manoel Pereira Calças, 69, ter aberto licitação para o projeto executivo do edifício, que deve abrigar os gabinetes dos 360 desembargadores do estado.
Para ele, a criação do complexo valorizaria a região da praça da Sé, no centro histórico de São Paulo, e proporcionaria ao tribunal economia de gastos com transporte, segurança, energia e aluguéis.
Se o plano da cidade judiciária for concretizado nos moldes atuais, porém, os desembargadores não se deslocarão por essas ruas. A ideia do presidente é que, após a construção do prédio, sejam feitos túneis ligando os magistrados dos seus gabinetes para as salas de julgamento dos prédios adjacentes, como o Palácio da Justiça (sede do tribunal) e os fóruns João Mendes e Hely Lopes Meirelles.
A distância máxima entre um local e outro é de cerca de 300 metros em linha reta, partindo do terreno onde deve ser construído o novo edifício até o Hely Lopes Meirelles.
As discussões nesse sentido ainda são preliminares e os túneis não serão incluídos no projeto do novo prédio, mas, para Calças, seria útil e econômico se projetado "com a visão de futuro necessária às administrações públicas".
A abertura dos envelopes do projeto executivo foi suspensa após questionamento da desembargadora Maria Lúcia Pizzotti sobre a forma de tramitação do processo administrativo --o projeto executivo deve custar R$ 25,3 milhões.
O presidente do TJ diz que a ideia de retomar o prédio não foi sua, embora estivesse em sua plataforma de campanha à presidência do órgão em 2017. Calças defende a construção do edifício e diz que, dez anos após a inauguração, o novo imóvel estará pago.
"Em cálculo de engenharia isso é uma coisa fantástica", disse o presidente do TJ-SP à reportagem. "Se não usarmos [o terreno para o prédio], teremos que devolver ao estado. Chama tredestinação, porque devolve para fazer uma outra obra."
A previsão é que o prédio só comece a ser erguido a partir de 2021 e demore oito anos para ficar pronto. Já foi repassada ao tribunal, diz ele, verba carimbada de R$ 300 milhões da Caixa Econômica Federal para a obra. O dinheiro, diz o desembargador, não integra o orçamento do tribunal.
O governo João Doria (PSDB) tem dito que o Executivo não bancará a obra e que o TJ terá que tirar o restante do dinheiro do seu orçamento. O TJ-SP tem 43 mil servidores e orçamento anual que supera os R$ 10 bilhões.
Em reportagens desta semana a Folha de S.Paulo mostrou que o tribunal tem batalhado para viabilizar gastos bilionários ao mesmo tempo em que esbarra em órgãos de controle como o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o TCE (Tribunal de Contas do Estado) e até em seus próprios integrantes. Ao mesmo tempo, o TJ acumula pedidos de verba extra e se consolida como dependente do governo do estado.
O terreno onde o edifício deve ser erguido tem servido como estacionamento, em área pouco maior que um campo de futebol. É possível vê-lo tanto do Palácio da Justiça, sede do tribunal, como de outros prédios usados por magistrados e servidores na região.
Caso construído nos moldes previstos, o empreendimento deve reunir, além dos desembargadores, todos os juízes substitutos de segunda instância do estado. Terá duas torres de 31 pavimentos (24 andares, térreo e seis subsolos), com heliponto.
Segundo Pereira Calças, "diversas famílias" estavam no terreno quando o local foi desapropriado, em 1975, e foram realocadas. "Hoje ele [terreno] vale R$ 2 bilhões, está no coração de São Paulo, e se destina a formar a cidade judiciária. Com o novo prédio, o Tribunal de Justiça deixará de gastar, só de aluguel, R$ 58 milhões. Além disso, em despesas paralelas, calculo outros R$ 58 milhões ao ano."
O heliponto, diz, foi uma exigência da Aeronáutica. O presidente do TJ tem dito que, apesar dos custos do prédio levarem décadas para serem compensados, a medida é econômica porque "a atividade judiciária é perene" e "não justifica o estado usar o dinheiro do contribuinte para pagar aluguel se a atividade é perene".
Ele cita estudo pago pelo Movimento Brasil Competitivo que aponta que se gasta R$ 20 milhões só em tramitações de processos do primeiro para o segundo grau. "Temos custos fantásticos com veículos, segurança e energia."
Exemplifica os custos com o valor gasto em um dos prédios que abriga gabinetes de juízes e desembargadores, no antigo hotel Hilton da av. Ipiranga (centro de São Paulo): só o aluguel custará R$ 89 milhões nos próximos cinco anos.
Embora o terreno do prédio tenha sido desapropriado em 1975, a ideia de retomá-lo só começou nos anos 2000. Um projeto básico foi realizado por um escritório de arquitetura que, depois, entrou na Justiça para ter a possibilidade de também concorrer à licitação do projeto executivo.
A questão chegou ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e só foi encerrada em 2012. Voltou à tona na gestão de Ivan Sartori (2012 e 2013) e, depois, deixada em suspenso pelos dois presidentes seguintes, José Renato Nalini e Dimas Mascaretti. Na gestão de Pereira Calças, voltou à tona.
Primeiro, com adequação ao anteprojeto de arquitetura, que custou cerca de R$ 1,5 milhão. O presidente também aproveitou um decreto da Prefeitura de São Paulo deste ano, que instituiu prioridade a projetos de valorização do centro da cidade, para pleitear o alvará da obra.
Hoje o processo que discute a licitação para o projeto executivo do prédio está sob sigilo e aguarda relatório e voto do desembargador Ferraz de Arruda. Nesse processo, a desembargadora Maria Lúcia Pizzotti diz que o projeto não foi aprovado na corte, como determina resolução do CNJ, que o edital não foi publicado em diário de grande circulação, conforme a norma vigente, e que o orçamento do tribunal não especifica a despesa.
"A proposta que vossas excelências aprovaram para o orçamento do ano vindouro prevê, também, valor de R$ 24.698.192,00 para execução de obras e instalações em todo o estado, ou seja, novamente, um valor menor do que o projeto executivo das faraônicas torres de gabinetes que se pretende construir."
O TJ-SP tem dito que só após a conclusão do projeto executivo serão definidos quais recursos a serem gastos, o modelo de licitação das obras e "será possível cogitar-se eventuais parcerias com o estado para a obtenção de recursos".