Aliados de Jair Bolsonaro nos EUA atribuem à ala militar do governo e à atuação de executivos da Câmara de Comércio Brasil-EUA o cancelamento da viagem do presidente a Nova York. No dia 14 de maio, ele seria homenageado com o prêmio de Pessoa do Ano pela entidade.
Pressionado por políticos americanos e ativistas ligados à causa LGBT e ao meio ambiente, Bolsonaro desistiu de sua viagem aos EUA na próxima semana.
A decisão pegou apoiadores de surpresa e irritou convidados que se preparavam para uma série de eventos com previsão de presença do presidente brasileiro.
Do lado americano, as tratativas sobre a viagem estavam sendo conduzidas pelo diretor-executivo da câmara, Ted Helms, e pelo presidente do conselho, Alexander Bettamio, em contato direto com o Planalto. No alto escalão do governo brasileiro, era o general Augusto Heleno (GSI), um dos principais conselheiros do presidente, quem estava analisando as informações que chegavam dos EUA.
A avaliação de bolsonaristas é que aquilo que consideram "excesso de zelo" dos militares foi fundamental para a decisão do presidente. Segundo esses aliados, Bolsonaro tem personalidade forte e, se não fosse influenciado pelos auxiliares fardados, não teria problemas em enfrentar protestos e manifestações.
Os militares, por sua vez, têm atuado para tentar diminuir o desgaste da imagem do presidente -agravado por polêmicas e cacofonias gestadas muitas vezes dentro do próprio governo.
O cancelamento da viagem aos EUA é mais uma escalada da disputa entre as alas ideológica e militar do Planalto. E a política externa tem sido um dos principais temas dessa batalha, visto que o chanceler Ernesto Araújo, indicado pelo escritor Olavo de Carvalho, é um dos expoentes do primeiro grupo, enquanto Heleno e o vice-presidente, general Hamilton Mourão, têm defendido posições consideradas mais moderadas.
Em nota divulgada sexta (3), a Presidência afirmou que o cancelamento da viagem foi definido após consulta de "vários setores do governo" e admitiu que a pressão pública foi determinante para a decisão de Bolsonaro.
"Em face da resistência e dos ataques deliberados do prefeito de Nova York [Bill de Blasio] e da pressão de grupos de interesses sobre as instituições que organizam, patrocinam e acolhem em suas instalações o evento anualmente, ficou caracterizada a ideologização da atividade".
Em entrevista a uma rádio, em abril, o democrata Bill de Blasio, prefeito de Nova York, disse que Bolsonaro não era bem-vindo à cidade e chamou o presidente brasileiro de racista, homofóbico e destrutivo.
A embaixada do Brasil em Washington já trabalhava com uma versão inicial da agenda de Bolsonaro nos Estados Unidos, que contava com jantares e reuniões com empresários e investidores, e encontro com apoiadores brasileiros em Nova York.
Estava prevista também uma entrevista para o jornal The Wall Street Journal. Antes disso, era o Financial Times quem conversaria com o presidente, mas a publicação britânica foi um dos patrocinadores que cancelou o apoio ao Pessoa do Ano nos últimos dias e aliados de Bolsonaro pediram para que o encontro fosse desmarcado e substituído por outro veículo.
Desde que, no mês passado, o Museu de História Natural de Nova York se recusou a receber o evento, uma série de manifestações pressionava os patrocinadores a não vincular seu dinheiro -nem suas marcas- ao jantar de gala que, além do presidente brasileiro, homenagearia o secretário de Estado americano, Mike Pompeo.
Depois da desistência do museu, auxiliares de Bolsonaro entraram em contato com Helms e Bettamio para saber quais providências seriam tomadas. Foram avisados então que o hotel New York Marriott Maquis havia aceitado sediar o evento e que não voltaria atrás mesmo sob protestos.
O senador estadual democrata Brad Hoylman, representante da comunidade gay, enviou carta ao hotel para pedir que o local não recebesse o presidente. Ele diz que Bolsonaro é "homofóbico perigoso e violento, que não merece uma plataforma pública de reconhecimento em nossa cidade". O Marriott tem histórico de apoio à causa LGBT.
Além do Financial Times, a companhia aérea Delta e a consultoria Bain & Company, que tinham topado apoiar a festa, recuaram no início desta semana. Ao explicar a decisão, a Bain disse à CNN que "celebrar a diversidade é um princípio essencial" da empresa.
Nesta sexta, a Folha de S.Paulo revelou que o Banco do Brasil (BB) e o consulado-geral do país em Nova York ajudaram a financiar a festa. O banco concordou em pagar US$ 12 mil (R$ 47,5 mil) para ter uma mesa com dez lugares no jantar de gala anual da entidade, cujo objetivo é arrecadar fundos para patrocinar interesses de empresas brasileiras e americanas nos Estados Unidos.
Desde terça-feira (29), ativistas ligados à causa LGBT e ao meio ambiente nos EUA pressionavam empresas patrocinadoras. Doze grupos iniciaram esta semana manifestações diárias que deveriam seguir até 14 de maio.
Entre os que permaneciam no hall de patrocinadores do evento estavam instituições financeiras como Merrill Lynch, Credit Suisse, Morgan Stanley, Citigroup, Itaú, Bradesco e HSBC.
Em nota, a câmara afirmou que o evento do dia 14 está mantido mesmo sem a presença de Bolsonaro, assim como os compromissos em paralelo marcado para acontecer durante a semana.