O modelo de negociação política adotado pelo presidente eleito Jair Bolsonaro para a formação do primeiro escalão do futuro governo já causa desconforto entre os “caciques” dos partidos do Centrão. Bolsonaro alijou os principais dirigentes do DEM, PP, PR, PRB e Solidariedade das conversas para a composição dos ministérios e cargos mais importantes da máquina federal ao passar a tratar das nomeações diretamente com deputados representantes de segmentos econômicos e sociais, reunidos em frentes parlamentares.
O futuro presidente, eleito na chapa dos nanicos PSL/PRTB sem o apoio das siglas de centro tradicionais, colocou em prática a promessa de campanha antes mesmo de assumir o Palácio do Planalto. O novo modus operandi, que não segue a cartilha do chamado “presidencialismo de coalização”, no qual o loteamento de cargos garante apoio no Congresso, pode dificultar a formação de uma base parlamentar que garanta votos suficientes para aprovar mudanças constitucionais, como a reforma da Previdência.
“O critério para preencher (os ministérios) é técnico, não é festa. Não estou lá (na Presidência) para fazer um governo como os anteriores. Não vou jogar cargo pra cima e quem se jogar na frente pega”, disse Bolsonaro ontem no Rio.
O episódio mais recente de sondagem direta que incomodou os líderes partidários foi a consulta a Celso Russomanno (PRB-SP), cotado para uma pasta que reuniria Esporte, Turismo e Cultura, sem o conhecimento do presidente de seu partido, Marcos Pereira. O presidente do PRB ficou irritado com a abordagem ao deputado e apresentador de TV. Dirigentes apostam que Bolsonaro pode oficializar o nome de Russomanno, que tem demonstrado proximidade com novatos do PSL.
Em outro exemplo de linha direta com os parlamentares, a indicação dos ministros do DEM, Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e Tereza Cristina (Agricultura), também causou ruído na legenda, que resiste a integrar oficialmente o governo.
“Bolsonaro está montando um governo sem fazer interface com a política. Mas a gente sabe que isso aqui (Congresso) tem vida própria, nós representamos a todos no Congresso, são muitas demandas. Em determinado momento, acho que terá que ser repensado”, disse Marcio Marinho (BA), ex-líder do PRB.
Blocos
O PSL elegeu a segunda maior bancada da próxima legislatura – 52 deputados. Somados aos partidos que aderiram a Bolsonaro no 2º turno ou demonstraram afinidade com ele, a base pode chegar a 191 – incluídos PTB, PSC, Patriota, PSD, DEM, PRB, Podemos, Novo e PRP. A oposição teria um tamanho inicial de 169 parlamentares.
Para ter mais de 308 votos, número necessário na Câmara para promover alterações constitucionais, o governo Bolsonaro dependerá dos partidos do Centrão e da centro-direita, entre eles MDB (34), PP (37), PR (34) e siglas nanicas, ameaçadas de perder parlamentares por não terem atingido a cláusula de desempenho eleitoral. Essas legendas não têm perfil de compor a oposição, mas podem complicar a governabilidade se ficarem ausentes da composição do governo. Apoiadores declarados de Bolsonaro no 2º turno, PTB, PSC e Patriota não estão, até agora, na formação do novo governo.
Aliados do presidente eleito, como o vice Hamilton Mourão (PRTB), e mesmo líderes de siglas de centro preveem que o 1º ano do governo será de “lua de mel” entre o Planalto e o Congresso.
As primeiras semanas de Bolsonaro após a eleição, porém, foram de tropeços na articulação política, com derrotas em votações de interesse dele, e pequenas crises na montagem do governo com setores que foram fundamentais para o triunfo eleitoral. Para debelar insatisfações, Lorenzoni também se reuniu na quarta-feira com o presidente do próprio partido, ACM Neto. “Ele (Bolsonaro) tem que fazer a leitura se essa estratégia das frentes parlamentares surte efeito, atropelando as lideranças. Essa é uma questão que está posta. O tempo vai dizer”, diz Efraim Filho (PB), ex-líder do DEM.