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O choque de poderes e a crise das instituições brasileiras

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A Operação Lava Jato, iniciada há quase dois anos, está revelando um cenário de embate entre os poderes no Brasil. Judiciário e Legislativo se enfrentam em uma queda de braço cujas principais vítimas são uma população sofrida e pobre, que também assiste à prisão de empreiteiros e banqueiros que supostamente enriqueceram, de forma ilícita, às custas dos cofres públicos. 

Nesta quarta-feira (25), a Polícia Federal surpreendeu o país ao prender o senador Delcídio do Amaral (PT–MS), ex-tucano. Além do ineditismo da detenção de um parlamentar em exercício, surpreende o fato de a prisão ter acontecido antes mesmo de qualquer direito de defesa. Determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a prisão apontou que o senador teria supostamente oferecido uma espécie de mesada a Nestor Cerveró para que seu nome não fosse citado em uma possível delação premiada. 

Para o jurista Dalmo Dallari, porém, as provas obtidas não suficientes para a prisão de um parlamentar em exercício. "Do ponto de vista constitucional, o senador em exercício só pode ser preso se houver flagrante. Essa prova é insuficiente para a gravidade de se deter um parlamentar, afinal é um mandatário do povo. Por isso a Constituição exige o flagrante, o correto seria a abertura de um processo com o devido direito de defesa", critica. Dallari ainda opina que o Senado deveria reagir imediatamente, repudiando a decisão do STF e dando apoio a Delcídio do Amaral. 

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), convocou para esta quarta-feira a sessão do Senado para deliberar sobre o assunto. A oposição entrou com ação no STF para que a votação seja aberta, e não secreta, como está previsto. Para Dallari, entretanto, o procedimento adequado é o voto secreto. 

Levando-se em consideração que muitas prisões na esfera da Lava Jato têm como base as delações premiadas - denúncias feitas por réus confessos, corruptos, em busca de diminuições em suas penas - até que ponto esses depoimentos são confiáveis? E se, posteriormente, essas informações forem desmentidas? Como ficam legitimidade das ações das forças de segurança? Para onde vai a credibilidade das instituições brasileiras?

Como se não bastasse, há ainda episódios em que PF, STF e Procuradoria Geral da República não caminharam de forma alinhada. As investigações da Polícia Federal contra um possível envolvimento do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) no esquema de corrupção da Petrobras foram arquivadas pelo ministro Teori Zavascki, após um pedido formal do procurador-geral Rodrigo Janot.

O choque entre poderes não para por aí. Na última segunda-feira (23), o juiz federal Sérgio Moro, responsável pela condução da Lava Jato, afirmou que a operação é uma voz “pregando no deserto” contra a corrupção. Ele também criticou a inércia do governo federal e do Congresso. Em contrapartida, o próprio Moro é alvo constante de críticas pelo grande número de prisões preventivas e cautelares emitidas desde o início das investigações. 

Dalmo Dallari é um dos críticos: na sua visão, as investigações adotaram tom de espetáculo. "É lamentável, muitos direitos estão sendo feridos. O que se procura é passar a ideia de que isso é uma purificação das práticas políticas, mas quando há exagero e agressão à Constituição, trata-se de uma aparência enganosa porque, na realidade, os direitos fundamentais estão sendo comprometidos", explica. O jurista defende o rigor das apurações e a punição justa de quem for condenado, mas condena o "excesso de publicidade" adquirido pela operação Lava Jato.

Nesta terça, o novo relator de ações da Lava Jato no Superior Tribunal de Justiça (STJ) mandou um recado claro a Moro: após votar pela liberdade de dois acusados de envolvimento no esquema (o ex-presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, e o ex-diretor da empresa, Elton Negrão), o ministro Ribeiro Dantas afirmou que a credibilidade das instituições se fortalece não só com investigações, mas com o estrito cumprimento da lei. Para ele, a presunção de inocência deve ser respeitada e prisões desnecessárias, evitadas.  

Na véspera, deputados também receberam de forma negativa a ação da Polícia Federal que prendeu o empresário José Carlos Bumlai horas antes de seu depoimento para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do BNDES. Críticos alegam que a ação, parte da fase "Passe Livre" da operação Lava Jato, foi uma forma de forçar que Bumlai faça um acordo de delação premiada. Com isso, o depoimento na CPI - que na sua essência é a investigação conduzida pelo Pode Legislativo - foi por água abaixo.

Ainda de acordo com Dallari, o excesso de prisões preventivas e cautelares é "um processo para o fim da Constituição". Ele também elogiou os posicionamentos do ministro Lewandowsky de buscar a realização de audiências de custória para que "prisões arbitrárias sejam evitadas".  

Em meio a tantos embates, alguns dos empresários e banqueiros mais ricos do Brasil são presos e agravam a paralisia econômica do país. E a população assiste a escândalos como mensalão, Lava Jato e Zelotes - que envolve empresas como Odebrecht, Camargo Correa, Andrade Gutierrez, Ford, Mitsubishi, Santander, Bradesco e Safra, além do banqueiro e dono do BTG Pactual André Esteves - sabendo que o enriquecimento dessas pessoas se deu via cofres públicos. Dinheiro que deveria ser usado em melhorias na educação, saúde e segurança. 

O que pode acontecer se esses 200 milhões de brasileiros, a imensa maioria pobre e sofrida, reagirem e se rebelarem contra tudo isso? Quem será responsável: o próprio povo ou quem, em primeiro lugar, provocou essa crise institucional?