Desde o início de abril, pelo menos 11 pessoas foram mortas pela polícia no Rio de Janeiro. A denúncia é da Anistia Internacional, que chama atenção para a violência policial e violação dos direitos humanos nas favelas no marco dos 100 dias para o início dos Jogos Olímpicos Rio 2016.
Segundo o diretor executivo da Anistia Internacional Brasil, Atila Roque, em 2015, somente na capital foram 307 mortes causadas por policiais em serviço, o que corresponde a um em cada cinco homicídios cometidos na cidade.
“Esse é um ponto central do relatório Você matou meu filho, que a gente publicou ano passado. Não é aceitável a essa altura, passados praticamente 30 anos de democracia, que um estado e uma cidade com a importância do Rio de Janeiro continue a lidar com os números, as questões e os problemas de violações de direitos humanos por parte da polícia como a gente continua vendo”.
Jovens
Roque informou que a instituição quer chamar a atenção das autoridades, no momento em que o Brasil vai atrair olhares do mundo todo, para a importância de priorizar a alocação de recursos para a segurança e a justiça. O diretor acrescentou que o número de homicídios no país chega a 60 mil por ano, o que, segundo ele, “extrapola qualquer realidade de guerra” tanto em números absolutos quanto em relativos.
“Mais de 50% dessas mortes são de jovens. Estamos assistindo um verdadeiro massacre de jovens anualmente no Brasil. Entre eles, a maior parte é de jovens negros, o que aponta para uma seletividade, uma característica muito perversa dessa violência. Quando olhamos quem morre nas mãos da polícia, em particular no Rio de Janeiro, nos deparamos com o mesmo quadro. Essa mobilização nossa busca mais uma vez jogar luz, sacudir um pouco a sociedade, cobrar do Estado a responsabilidade sobre essa situação”.
O diretor da Anistia destacou a realidade da violência policial nas abordagens, que se tornou costumeira na vida dos jovens de territórios em risco. “Isso contribui para uma cultura de absoluto descrédito daquela comunidade no papel da polícia como agente promotor de direitos e garantidor da ordem e da lei”.
Ativista
O comunicador popular Enderson Araújo, membro do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), informou que passou por uma abordagem intimidatória na madrugada de terça-feira (26) no Complexo do Alemão. Morador de Salvador, ele visitava amigos do Coletivo de Comunicação Papo Reto no Rio de Janeiro.
Enderson disse que a abordagem policial é um fato natural entre moradores de periferia, mas que, dessa vez, os policiais demonstraram interesse na relação dele com um dos integrantes do coletivo, que denuncia violações de direitos humanos institucionais por parte da polícia nas comunidades pobres do Rio.
“Num local chamado Campo do Canitar tinha três policiais com fuzis e eles abordaram o mototáxi que eu estava. No início foi comum. Pediram para olhar a mochila, perguntaram de onde eu estava vindo e porque tinha roupa na mochila. Depois, perguntaram se eu trabalhava com o Raull Santiago. Neguei por causa da minha segurança. O Raull vinha atrás. O mototaxista percebeu a abordagem e fez outro trajeto, encontrando-me mais à frente, na entrada da Grota”.
Para Enderson, a abordagem foi uma forma de intimidar Raull, que denunciou terça-feira ao secretário estadual de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, as ameaças que vem sofrendo.
“Por que me parar? Po que perguntar se trabalho com o Raull? Por que revistar minha mochila e olhar minhas anotações? Pediram para ver meu celular, mas estava descarregado. Quando vou ao Rio de Janeiro, ando com ele o tempo todo. Se eles monitoram todos os passos do Raull, sabiam sim que eu era amigo dele e que estava com ele. Sabiam que mentia quando disse que não era. Acho que não foi uma coisa gratuita, tipo vou abordar qualquer um e perguntar aleatoriamente se trabalha com o Raull. Eu estava com ele a menos de um quilômetro dali”.
Secretaria
A Anistia Internacional está acompanhando o caso de Raull Santiago e Beltrame disse que vai “tomar providências”.
Sobre a manifestação da Anistia Internacional, a Secretaria de Segurança Pública (Seseg) informou, por meio de nota, que não foi considerada a série histórica na redução de homicídios “proveniente de oposição à intervenção policial”.
Segundo a nota, a proporção de presos em relação aos mortos nas operações policiais dobrou, subindo de 32, em 2006, para 64 em 2015. Em 2006, foram 1.063 mortes por intervenção policial no estado. O número caiu para 416 em 2013 e voltou a crescer, alcançando 648 no ano passado, de acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP).
A Seseg informou ainda que, desde a Copa do Mundo de 2014, o estado tem recebido apoio do Ministério de Justiça para aquisição de equipamentos e treinamento menos letais.