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The Economist: Donald Trump está tentando silenciar seus críticos. Ele vai fracassar, mas os EUA vão perder

O JORNAL DO BRASIL reproduz texto publicado neste fim de semana pelo site da prestigiosa revista inglesa

Por JB INTERNACIONAL
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Publicado em 28/09/2025 às 12:34

Alterado em 28/09/2025 às 12:43

Jimmy Kimmel foi retirado de seu programa de TV por Trump, mas o presidente não obteve o sucesso retumbante que esperava. Kimmel está de volta ao ar, e com audiência acachapante Foto: Randy Holmes/ ABC / AFP

Como Kimmel e os demais mostram, dominar a mídia extensa e indisciplinada dos Estados Unidos e os cidadãos opinativos será difícil

Donald Trump odeia ser alvo de piadas; por isso, seu capanga aproveitou um pretexto frágil para tirar Jimmy Kimmel do programa noturno de TV. O presidente está cansado de ser criticado quando deveria ser festejado; por isso, seus advogados processaram o New York Times por US$ 15 bilhões. Ele vê tudo como uma luta; por isso, sua equipe quer que aliados ricos comprem o controle da filial americana do TikTok de sua controladora chinesa.

Essas escaramuças alarmantes fazem parte de uma guerra contra a mídia americana. No entanto, Trump não obteve o sucesso retumbante que esperava. Kimmel está de volta ao ar; um juiz federal rejeitou o processo; e quem sabe quão obedientes serão esses magnatas multimilionários.

Não deveria ser necessário dizer isso na terra da Primeira Emenda, mas uma imprensa covarde leva de modo inexorável à corrupção desenfreada, a um governo ruim e a eleitores cínicos e insatisfeitos. Em um país onde as eleições são vencidas por pequenas margens, mesmo uma mídia parcialmente intimidada ou capturada pode inclinar a balança. Mas, querer algo não é o mesmo que conseguir. Como Kimmel e os demais mostram, controlar a vasta e indisciplinada mídia dos Estados Unidos, e os cidadãos com opinião própria, será difícil.

O desejo de Trump de controlar o que as pessoas veem e leem sobre ele é óbvio. Ele parece menos motivado pela reclamação conservadora — justificada, diga-se — de que grande parte da mídia americana tem um viés inerente de esquerda moderada, e mais pelo fato do presidente americano nutrir um anseio profundo por adulação. Seus aliados próximos provam sua lealdade se esforçando para garantir que ele a receba.

Eles têm algumas armas formidáveis. Uma delas é uma especialidade de Trump: intimidação e ameaças. O Wall Street Journal também foi processado por uma reportagem exclusiva sobre Trump e o criminoso sexual morto Jeffrey Epstein. O mesmo aconteceu com o Des Moines Register, por uma pesquisa realizada pouco antes das eleições de 2024, que mostrava Trump perdendo a votação em Iowa.

O Pentágono está restringindo a liberdade dos correspondentes de reportar, sob pena de perderem suas credenciais. A Disney foi atacada por Brendan Carr, chefe da Comissão Federal de Comunicações (FCC). Gostando do que viu, Trump sugeriu então que as redes de televisão que o criticam deveriam perder suas licenças.

São casos fracos do ponto de vista jurídico, mas podem ter um efeito assustador, por custarem caro para se defender. Em 2008, 92% dos 100 maiores jornais dos Estados Unidos em circulação endossaram um candidato à presidência. No ano passado, três quartos não o fizeram.

Outra arma é a propriedade. Trump é o primeiro presidente americano a ter seu próprio serviço de notícias, o Truth Social. A Hungria, sob Viktor Orbán, mostra como empresários amigos podem reforçar as notícias “oficiais”, seja por convicção ou pelo desejo de trocar cobertura favorável por vantagens comerciais. O X é propriedade de Elon Musk, que fez campanha para Trump. O TikTok deve ficar sob o controle de outros aliados do presidente americano, entre eles os Ellisons e os Murdochs. A compra da Paramount e, potencialmente, da Warner Bros Discovery por David Ellison também lhe daria controle sobre a CBS e a CNN.

E uma última arma é a pressão. Duas redes de televisão, ABC e CBS, chegaram a um acordo em processos judiciais multimilionários com Trump, porque temiam a retaliação das agências reguladoras, que poderiam custar bilhões de dólares a ambas. Imagine se a Alphabet e a Meta fossem induzidas a garantir que o YouTube e o Instagram se inclinassem favoravelmente ao movimento MAGA por uma promessa ou ameaça aos seus negócios de inteligência artificial? Com o destino da empresa em jogo, não seria seu dever para com os acionistas alinhar-se?

Tudo isso é preocupante, mas Trump não é tão forte quanto parece. O idoso presidente tem obsessão pelo controle remoto na Casa Branca, mas as notícias da televisão são vulneráveis, principalmente porque são uma indústria em declínio. Fora da temporada de debates, a CBS é a principal fonte de notícias políticas para apenas 3% dos americanos.

Os conglomerados de mídia estão focados na guerra do streaming — uma das razões pelas quais a Disney reintegrou Kimmel foi a pressão de “talentos” indignados em Hollywood. Para os jornais, notícias e opiniões são seu principal negócio. Se eles resistirem, vencerão na Justiça, e cada vez que Trump entrar com um processo por difamação, ele será ainda mais exposto como um valentão vaidoso.

O mercado de mídia dos Estados Unidos também é difícil de controlar porque é fragmentado. Na Itália de Silvio Berlusconi, apenas alguns canais eram importantes e ele era dono de quase metade deles. Um mercado de 9,5 milhões de falantes de húngaro é pequeno o suficiente para ser capturado. Os Estados Unidos são diferentes. Além disso, cada rede social é, por si só, um universo fragmentado de provedores de conteúdo individuais.

Ao contrário de William Randolph Hearst, seus proprietários não podem ligar para os editores e dizer o que publicar — e a FCC não tem jurisdição sobre isso. Algoritmos podem orientar os usuários, mas para eliminar notícias uma a uma é necessário um exército de censores ao estilo chinês. O governo Biden tentou fazer com que as redes sociais silenciassem o ceticismo em relação às vacinas. Parece ter tido o efeito oposto.

A liberdade de expressão nos Estados Unidos é protegida por uma garantia constitucional, um vasto mercado de mídia e os apetites da metade do país que não vota em Trump. Uma mídia capturada, se fosse possível, seria uma enorme oportunidade de negócios para o outro lado.

Os Estados Unidos têm mercados de capitais muito vastos tomadores de risco. Nunca foi tão fácil começar um programa de vídeo ou um podcast ou publicar textos. Construir novas redes é difícil, mas veja o Threads e o TikTok como alternativas ao X, ou como a hierarquia das redes sociais mudou no passado. Como sempre acontece com Trump, seu grande trunfo é a velocidade. Os tribunais seguem os procedimentos; as empresas precisam descobrir como revidar; novos empreendimentos precisam de tempo para decolar.

Luzes, câmera, ação judicial
É improvável que o movimento MAGA domine a mídia americana. No entanto, mesmo que Trump não vença sua batalha, os Estados Unidos ainda podem perder.

Em uma economia de atenção fragmentada, a melhor maneira de se destacar é chamar tudo de apocalipse, incitar a revolução ou denunciar o fascismo.

Se todas as recompensas vão para o entretenimento político divisivo, então fica cada vez mais difícil fundar um bom governo com base em um entendimento comum dos fatos.

Os Estados Unidos sobreviveram a uma imprensa partidária no século XIX; provavelmente farão o mesmo no século XXI. Mas será um fardo pesado demais para uma democracia já sobrecarregada transformar o debate na praça pública em um teatro de vaudeville [espetáculo de canções, acrobacias e monólogos popular na França e no resto do mundo a partir do século 18, caracterizado por uma sucessão de atos distintos e sem ligação, apenas para entreter um público amplo].

 

 

 

 

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