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Macaca Sofia

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Minha amiga saiu do banheiro depois de passar horas se maquiando pra jantar na Osteria.

Estou parecendo Macaca Sofia?

Minha filha que passava pela sala perguntou espantada:

- Quem é Macaca Sofia?

Até eu levei um susto com a lembrança da macaca, que tirei, divertida, do fundo das minhas recordações. Não sei se foi do meu tempo, ou se ouvi contar dela pelo meu pai, que, em geral, brincava, só pra me deixar desconcertada, bem na hora de eu sair: “Ih! Tá parecendo Macaca Sofia!”

Pois bem. Macaca Sofia não era nenhuma prostituta famosa da época, dona de prostíbulo ou bordel. Era uma macaca mesmo que habitava o Jardim Zoológico, e não sei se a vi em pessoa (ou bicho, no caso), ou se só ouvi falar dela, ficando mesmo íntima da macaca sem que a própria nem mesmo tomasse conhecimento de mim. Minha irmã, (figurinista doente!) diz que viu a macaca no Zoológico, mas que só se lembra da sua saia pregueada que ela levantava pra mostrar sua calcinha branca. Enfim, Macaca Sofia, na minha infância, era sinônimo de sem-vergonhice, exagero, mau gosto, cafonice, pro estilo rigoroso da época, pois, maravilhada com a sua própria imagem refletida no espelho da trousse dourada, diante da qual ficava horas, encantada, passava o dia inocentemente botando pó de arroz,”rouge”, o antecessor do blush, e batom, como se ali, do meio daquela plateia que a assistia com risos de deboche, fosse sair o seu Príncipe Encantado, que a compreenderia e tiraria daquele lugar, tornando-a feliz para sempre.

Tenho muita simpatia por esse tipo de personagem dos quais as pessoas zombam por exibirem sua criatividade com a ingenuidade da criança, do animal ou do louco, como os pacientes da Dra. Nise da Silveira, como Dona Olimpia, de Ouro Preto, que só foi considerada uma velha maluca por que nasceu muito antes da era hippie com seus figurinos coloridos e maquiagem à La Macaca, que arrasariam nas passarelas fashion de hoje.

Mas mesmo com toda a simpatia que eu pudesse nutrir por Sofia, foi a macaca que sempre me alertou pro mico do exagero, reprimindo-me com sua trousse de maquiagem do fundo do meu inconsciente.

E quando comecei, junto com toda uma geração de meninas a copiar a Twiggy (top model dos anos 60), amiga dos Beatles e dos Rolling Stones, tatuando aquelas pestanas imensas na base dos olhos com delineador negro, baixava logo o meu pai de dentro de mim pra dizer:

- Qual...Igualzinha à Macaca Sofia...

Acho que a macaca simbolizou um pouco a loucura da minha geração: a extrapolação, o que às moças direitas não era devido, obrigando-as a se contentar com um ligeiro batom transparente e alguns beliscões dados nas minhas faces, por minha mãe, pra eu ficar mais saudável, antes da festa, numa época pré-Xuxa, bem antes das crianças já saírem maquiadas no carrinho das babás.

Prefiro o mistério da Macaca Sofia, sua criatividade, ingenuidade, individualidade e inspiração.

Tem um quê de trágico na figura delicada de Sofia, de Quasímodo, de artista, de bobo da corte. Queria que ela soubesse do amor que sinto por ela, contar-lhe o que representa pra mim, como marcou minha geração e declarar-me, com todo respeito, sua macaca,  eterna, de auditório.