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Sob pressão por medalhas, COB tem meta "dura e factível" para 2016

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Enquanto os britânicos acordaram nesta segunda-feira com a sensação do dever cumprido, depois de organizar uma Olimpíada impecável e com resultados acima do esperado no quadro de medalhas, os brasileiros começaram finalmente a viver a pressão total para não desapontar o mundo e repetir no Rio 2016 - dentro das devidas proporções - o sucesso de Londres 2012.

Até mesmo o presidente do Comitê Olímpico Internacional, Jacques Rogge, já avisou que "o desempenho do time da casa no quadro de medalhas é fundamental para o sucesso dos Jogos". O que significa que o Brasil terá muito trabalho a fazer nos próximos quatro anos. A meta estabelecida pelo Comitê Olímpico Brasileiro é bastante ambiciosa: ficar entre os primeiros na classificação geral no Rio 2016.

Em Londres, a décima posição foi ocupada pela Austrália, com 35 medalhas no total, sendo sete de ouro. O Brasil não conquistou nem a metade disso, ficando com 17 medalhas no total, incluindo três douradas. Mesmo assim, este foi o melhor resultado de todos os tempos (em números totais de pódios) para os atletas de verde e amarelo e superou a meta inicial dos dirigentes esportivos.

Já de malas prontas para voltar ao Brasil, o superintendente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Marcus Vinicius Freire, recebeu o Terra nesta manhã no hotel onde estava hospedado no centro da capital britânica. Para ele, o objetivo de colocar a delegação no top 10 em 2016 "é duro, mas factível". O dirigente avaliou o resultado do País em Londres e ainda comentou situações individuais que acabaram prejudicando o desempenho do País na classificação geral -, como o caso da saltadora Fernanda Murer, que "menosprezou a regra do jogo, mesmo tendo recebido tudo que precisava", segundo Freire.

Confira abaixo a avaliação e os projetos do COB para que o Brasil finalmente se torne uma potência olímpica quando sediar os próximos Jogos daqui a quatro anos.

Terra: Quais as lições que o Brasil tira do quadro de medalhas de 2012

Marcus Vinícius Freire: Vimos uma pulverização de conquistas ao redor do mundo. Até ontem pela manhã, 87 países ganharam medalhas em Londres. Além disso, houve uma diminuição das conquistas dos países que são potencias. Dos 12 primeiros, sete caíram, incluindo China e Estados Unidos. É uma pancada que não vinha acontecendo. E por fim ainda vimos uma especialização grande de países por modalidade, nas quais as confederações pegam uma duas medalhas e enfiam tudo ali, de foco e investimento. O Irã é um exemplo, que ganhou 12 medalhas só em levantamento de peso e luta livre, além do taekwondo. 

Terra: Mas essa não é uma tendência, de concentrar esforços em poucas modalidades, que o COB pretende seguir, certo?

Freire: Não. Essa é uma avaliação macro do que ocorreu em Londres. Não é o nosso quadro. Culturalmente, precisamos continuar apoiando as modalidades coletivas, mesmo sendo mais caro. Sempre há aquela discussão sobre produtividade, mas sempre levamos por outro lado. Estamos saindo daqui com 17 medalhas, mas com 57 medalhistas (contando todos os vencedores em esportes por equipes como futebol e vôlei).

Terra: Mas ninguém faz a conta desse jeito... 

Freire: Nós fazemos. Somos um país de esportes coletivos. Por isso, nossa tendência agora para 2016 é pegar as modalidades nas quais normalmente já ganhamos medalhas e ampliar as conquistas. Se hoje tivemos recorde de medalhas com quatro no judô e quatro no vôlei, de repente para o Rio a meta deles será cinco. No atletismo tivemos aproveitamento zero de 133 medalhas possíveis. Na natação são 96 medalhas. Conquistamos apenas duas. Por isso, os dois são pontos de atenção para nós porque temos histórico nesses esportes, eles têm patrocínio, têm federações fortes, por isso precisam de resultados. 

Terra: O investimento no último ciclo foi consideravelmente maior, mas os resultados continuam pouco expressivos. Isso não mostra um erro no planejamento? 

Freire: A gente confirma que a estratégia está correta quando vê três esportes que nunca ganharam nada em Jogos saindo daqui com medalhas para o País, como o boxe, o pentatlo moderno e a ginástica. Foram trabalhos que estavam dentro da nossa lista desde o começo e já conseguiram ganhar medalha agora, mesmo antes do Rio. A nossa meta é top 10 no total de medalhas. Se você olhar os países que estão nessa posição hoje, todos ganham em pelo menos 13 modalidades. Então, se nos mantivermos ganhando em oito, não vamos conseguir chegar. 

Terra: O problema é que o investimento foi maior para 2012 e tivemos apenas duas medalhas a mais. Isso não é pouco?

Freire: Depende. Eu que sou economista te digo que é um crescimento de quase 20%. Se crescermos 30% na próxima chegaremos à meta do top 10. 

Terra: Mas essa meta parece muito ambiciosa, se comparada ao objetivo desse ano...

 Freire: Não é isso. Eu diria que as duas são metas realistas. As pessoas querem fazer a meta pensando que tudo sempre será 100%. O vôlei masculino mostrou isso, uma troca de tática do adversário mudou tudo. E isso não acontece só com o Brasil, é com todo mundo. É verdade que aqui os britânicos quase não falharam e tomara que isso aconteça no Brasil. Mas essa não é a regra. A Austrália foi uma tragédia na natação, por exemplo. Por isso, colocamos a meta para Londres em 15 medalhas. 

Terra: Mas pela conta do COI, que leva em consideração o total de ouros, o Brasil ficou em 22º lugar, bem longe do top 10. Freire: Sim, mas o problema é que não se compra medalha no mercado. Alguns países fazem isso, naturalizando atletas. Mas esse não é o nosso caminho. E o dinheiro só vai render frutos ao longo dos anos. Não é apenas em um ciclo olímpico. Os que vão para 2016 já são um investimento de muito tempo. 

Terra: As críticas quanto ao trabalho de base das confederações e o apoio aos atletas persistem. O que está sendo feito para mudar esse quadro?

 Freire: A estrutura é constitucional e não temos como alterá-la. Mas, quando a meta é olímpica, o COB entra na conversa e nós já estamos fazendo mudanças. Um exemplo é a Yane Marques (bronze no pentatlo moderno). Ela é um trabalho 100% do COB. Nos juntamos com o Exército, que nos ajudou muito, e a confederação da modalidade aceitou isso. E esse é um modelo que deu certo. Então pode ser que, em algumas modalidades, analisando junto com a confederação, entendamos que deixar o atleta dentro de um pacote olímpico seja melhor. Temos um trabalho semelhante ocorrendo em modalidades como canoagem e BMX, por exemplo. Muitas vezes teremos que fazer "a escolha de Sofia". Como no handebol. Adianta dispersar o investimento em dois, ou focar só no feminino, que já bateu na trave em duas olimpíadas? Ou seja, as mulheres já encostaram na elite, enquanto o masculino nem se classificou para os Jogos. Vamos sentar com as confederações e discutir isso, se vale dividir tempo e interesse ou focar no carro chefe. 

Terra: Casos pontuais também atrapalharam o desempenho do Brasil no quadro de medalhas, como a saltadora Fabiana Murer e a Seleção masculina de futebol. Como você avalia esses casos?

Freire: No futebol, acho que as coisas acontecem desse jeito. Tomar um gol no primeiro minuto muda tudo mesmo. Foi um acaso e isso é normal. No caso da Fabiana, ela fez, disparado, a melhor preparação; nunca esteve tão bem, nunca teve tanto recurso. Acho que ela menosprezou uma regra do jogo. Foi só isso. Ela estava preparada, tínhamos psicólogos, tinha tudo. Só que ela correu um risco que não precisava ter corrido ao não partir para o salto. Mas isso também acontece. É uma atleta que fez um ciclo olímpico espetacular e chegou como favorita para medalha pelo trabalho dela e dos treinadores, mas acabou medindo mal o risco que tinha e acabou perdendo a oportunidade. 

Terra: Você acredita então que o atleta brasileiro, no geral, não sofre mais de problemas psicológicos em competições como essa? 

Freire: Acho que já foi o tempo disso. Tivemos sete psicólogos em Londres, além de todo o acompanhamento durante o quadriênio. Além do que, o COB está cheio de medalhistas olímpicos. Então a gente sabe o que eles estão passando e isso ajuda bastante no apoio. 

Terra: E qual pode ser considerado o ponto alto do Brasil nessa Olimpíada?

Freire: O tricampeonato olímpico do José Roberto Guimarães é algo incrível. Além de somarmos agora mais seis bicampeões olímpicos a nossa lista. Sempre falo, somos um país de 200 milhões de pessoas, com apenas seis bicampeões até então. E damos quase nenhuma atenção para eles. Agora chegam mais seis com o bi do vôlei feminino. Então temos que comemorar bastante isso.