Nas notas do seu novo álbum intitulado Legacy/A Coltrane Tribute (Jazzed Media) o saxofonista Steve Heckman escreveu: “Ouço um bocado de música nova, muito angular, que tem a pretensão de ser 'atual' e hip, embora não muito melódica. No melhor dos casos, essa nova música pode ser excitante; no que tem de pior, soa como exercícios de intervalos montados para criar melodias ou solos não muito memoráveis. Count Basie disse uma vez: 'Nunca pensei em inovação como algo muito importante. Os verdadeiros inovadores fizeram suas inovações simplesmente sendo eles próprios'. Assim, sou o primeiro a confessar que não estou fazendo nenhuma tentativa de ser um inovador; no entanto, sigo o caminho de ser verdadeiro com o que amo – a música de Coltrane, que considero melódica, lírica e enérgica”.
A afirmação do saxofonista nascido há 39 anos em Nova York, mas baseado em San Francisco, ressalta uma qualidade de John Coltrane (1926-1967) que costuma ficar em segundo plano quando jazz experts analisam a arte sem precedente do improvisador que, com as suas vertiginosas sheets of sounds, foi um dos detonadores do free jazz. E essa qualidade é a de ter sido ele também um inspirado compositor, um inventor de temas tão marcantes como foi Ornette Coleman.
Das 10 faixas do CD Legacy/A Coltrane Tribute interpretadas por Steve Heckman à frente do seu quarteto, oito são composições de “Trane”. As mais famosas são: Impressions (5m30), registrada pela primeira vez no LP da Impulse de 1961, gravado ao vivo no Village Vanguard; Resolution (6m40), a segunda parte de A Love Supreme, a obra-prima de 1964; The promise (6m10), de Coltrane Live at Birdland (Impulse, 1963); Wise one (8m), lançada no álbum Crescent (Impulse, 1964); a balada Dear Lord (6m50), de Transition (Impulse, 1965).
Heckman não incluiu na sua seleção Giant steps – a faixa-título do LP de 1959 (Atlantic) – que é cultuada como um marco na evolução do jazz moderno em termos de concepção harmônico-melódica, a partir de cinco notas modalmente combinadas. Mas selecionou duas peças pouco conhecidas de “Trane” que têm conexão com as chord changes de Giant steps: Fifth house (6m15) e 26-2 (6m35).
O tributo a John Coltrane do quarteto de Heckman (Grant Levin, piano; Eric Markowitz, baixo; Smith Dobson V, bateria) foi gravado ao vivo no Hillside Club, Berkeley, California, em outubro de 2013.
O disco tem ainda os seguintes temas: Reverend King (2m30), composto por “Trane” em homenagem a Martin Luther King, e que dele mereceu uma longa interpretação constante do álbum póstumo Cosmic Music (Impulse, 1968); The legacy(6m35), peça de Heckman que homenageia o seu ídolo; It's easy to remember (6m50), standard de Richard Rodgers que Coltrane tocou em Ballads, seu álbum mais acessível, de 1962.
Steve Heckman reafirma as suas credenciais de saxofonista (tenor e soprano) do “primeiro time” apresentadas nos outros dois CDs que gravou para a Jazzed Media: Born to Be Blue (2013) e Search for Peace (2014), ambos em quinteto com Howard Alden (guitarra), Matt Clark (órgão), Marcus Shelby (baixo) e Akira Tana (bateria).
No novo álbum, ele privilegia decididamente o sax tenor, e só toca o soprano em The promise.
O pianista Grant Levin – não muito conhecido fora da West Coast - faz muitíssimo bem o “papel” que McCoy Tyner fazia no célebre quarteto de John Coltrane.
(Samples do CD Legacy/ A Coltrane Tribute podem ser ouvidos em: www.jazzedmedia.com/JM1074.cfm#sound_bytes)