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Made in Chicago revive a vanguarda dos anos 60

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Em 1965, o pianista-compositor Muhal Richard Abrams, Malachi Favors (baixo), Jody Christian (piano), Steve McCall (bateria) e outros então jovens jazzmen de Chicago fundaram a Association for the Advancement of Creative Musicians (AACM), cujo manifesto pregava a concepção de “uma música de nível artístico elevado, a ser apresentada ao público em programas destinados a enaltecer a importância da música criativa”.

O melhor grupo de jazz a emergir da AACM foi o Art Ensemble of Chicago, um quinteto imprevisível, free, integrado por Lester Bowie (trompete), Roscoe Mitchell e Joseph Jarman (saxes, percussão), o baixista Favors e o percussionista Don Moye. Como sintetizou Morley Jones (The Simon & Schuster Kisterner's Guide to Jazz, 1980), o AEC era um conjunto “inclassificável, surpreendentemente erudito, admiravelmente proficiente e, em geral, uma grande alegria auditiva”. Sempre fiel ao lema “Great black music: Ancient to the future”. E assim foi, até a morte de Bowie, em 1999.

Quase meio século depois, sobreviventes da AACM e/ou da AEC foram reunidos por um dos mais “moços” deles, o mestre da bateria Jack DeJohnette (72 anos), num novo quinteto, o Made in Chicago. Os outros membros do grupo são o “guru” Muhal Richard Abrams (84), Roscoe Mitchell (74) e o compositor-saxofonista Henry Threadgill (71). O conceituado baixista-celista Larry Gray, de meia idade, é o único deste combo de chicagoanos que não participou do nascimento do free jazz na Windy City.

O selo ECM vem de lançar o CD Made in Chicago, gravado ao vivo no Chicago Jazz Festival, em agosto de 2013, com um total de seis faixas, das quais uma assinada pelo “líder” DeJohnette (Museum of time, 13m35); duas de autoria de Roscoe Mitchell (Chant, 17m; This, 12m10); uma de Muhal Richard Abrams (Jack 5, 14m50); outra de Henry Threadgill (Leave don't go away, 19m15). A última faixa do álbum (Ten minutes, que só dura 6 minutos) é uma peça de alucinante improvisação coletiva, bem free, na base do caos mais ou menos organizado.

O quinteto Made in Chicago, na verdade, não tem um “líder”. Suas performances são tão cooperativas como as do antigo – mas sempre revolucionário – Art Ensemble of Chicago, embora sem o surrealismo performático e percussivo daquele histórico combo.

O Made in Chicago não procura ser, apenas, uma “nova edição” do AEC. DeJohnette e seus associados sabem muito bem que não se deve viver no ou do passado. Mesmo que o passado seja recente. Mas sabem também que visitar o passado, de quando em vez, é saudável, e faz bem até ao espírito criativo.

Como se viu acima, as peças interpretadas pelo insigne quinteto no Millenium Park de Chicago, há menos de dois anos, passam dos 10 minutos, com exceção da frenética improvisação final.

Museum of time - a meu ver, o ponto culminante do concerto do Made in Chicago – reveste-se de um clima de suspense, mantido por um ostinato de cinco notas básicas com tratamento inicial quase camerístico. Os saxes suplicantes de Mitchell e Threadgill realçam a atmosfera densa-tensa da obra até um intermezzo pianístico de Abrams.

A faixa Chant – a mais longa do menu – é puro Art Ensemble of Chicago em termos de interação e de combinações cifradas do politonal com o tonal. O jazz mais especulativo e composicional de Muhal Richard Abrams está muito bem representado em Jack 5.

(A faixa Museum of time pode ser ouvida, na íntegra em https://player.ecmrecords.com/dejohnette-2392)