O trompetista-compositor Tom Harrell, 67 anos, é um dos mais notáveis jazzmen das últimas quatro décadas. Pelo menos desde que, na década de 1980, começou a brilhar – apesar de uma luta surda contra a esquizofrenia – no quinteto do lendário saxofonista Phil Woods, que dele disse, já há algum tempo, o seguinte: “É o melhor músico que já encontrei em 40 anos de atividade. Já toquei com alguns grandes músicos, mas nunca com ninguém melhor do que Tom Harrell”.
No trompete ou no flugelhorn, ele está na mesma “altitude” e na mesma dimensão - em termos de poética musical - dos ainda mais idosos Kenny Wheeler, Enrico Rava e Tomasz Stanko. Todos eles criam um jazz rarefeito, de um lirismo ardente, em estado de suspense, sem concessões ao sentimentalismo.
Harrell destacou-se também como compositor-arranjador, sobretudo a partir do álbum Time's mirror (RCA Victor), gravado em 1999, com orquestra formada, entre outros, por craques do nível de Don Braden e Alex Foster (saxes), Joe Magnarelli e David Weiss (trompetes), Conrad Herwig (trombone), Xavier Davis (piano) e Carl Allen (bateria). Em 2006, ele iniciou, com Light on, uma série primorosa de discos para a etiqueta HighNote, à frente de um quinteto integrado por Wayne Escoffery (sax tenor), Danny Grisset (piano, Fender Rhodes), Ugonna Okegwo (baixo) e Jonathan Blake (bateria).
Depois de Light on, Prana dance (2009), Roman nights (2010), The time of the sun (2011) e Number five (2012), Harrell pontifica novamente no CD Colors of a dream (também do selo HighNote), gravado em abril deste ano. Só que vem com novidades que dão uma “cor” toda especial ao álbum de 11 faixas.
Trata-se, agora, de um sexteto sem piano (portanto sem Danny Grisset), que continua a contar com Escoffery, Ugonna e Blake, mais as artes do saxofonista alto Jaleel Shaw e da contrabaixista-vocalista Esperanza Spalding. Esta nova estrela do jazz não só divide as funções de baixista com Ugonna Okegwo, mas também empresta a sua voz (sem palavras), como instrumento fosse, aos arranjos da maioria das peças, todas da lavra do líder. Ela faz scat singing em Even if (4m55), um dos momentos mais vibrantes do novo disco. A única faixa em que La Spalding interpreta uma canção (com música e letra) éVelejar (7m), exibindo um português muito bem articulado, praticamente sem sotaque.
A nova composição da banda de Tom Harrell enseja peças e interpretações de apelo rítmico mais acentuado, principalmente em Even if, Goin' out (6m25), Phantasy in Latin (6m15), State (5m05), Nite life (5m15) e Walkway (6m40). A única balada propriamente dita da seleção é Family (4m15), enquanto o envolvente Tango (6m25), com introdução vocalizada por Esperanza Spalding, é sincopado em tempo médio.
No CD Colors of a dream, além dos solos do líder, de fraseado sempre flutuante, onírico – mormente no flugelhorn – merece especial atenção a presença de Wayne Escoffery. O saxofonista tenor de 38 anos está - como se diz nos Estados Unidos – no top of his game. É um hard bopper incisivo, arrogante, de técnica excepcional, no mesmo nível de Donny McCaslin ou de Chris Potter, que são um pouco mais velhos e mais conhecidos.