O som do clarinete foi sempre marcante no período clássico do jazz – na Nova Orleans do início do século XX, na Chicago dos gangsters e na Nova York da Harlem Renaissance. Ou seja, desde quando a polifonia rudimentar das bandas de Joe “King” Oliver e Freddie Keppard, os Hot Five e Hot Seven de Louis Armstrong e a orquestra de Duke Ellington sintetizaram esse modo de expressão musical de raízes afroamericanas que se universalizou com o correr dos tempos e dos ventos.
Os clarinetistas Johnny Dodds, Sidney Bechet, Jimmy Noone, Pee Wee Russell, Edmond Hall e Buster Bailey estão no Olimpo do jazz. Assim como Benny Goodman e Artie Shaw, que se tornaram verdadeiros ídolos da “Era do swing”.
Na época do bebop - reinado do saxofonista Charlie Parker e do trompetista Dizzy Gillespie - o clarinete saiu de moda, embora Buddy DeFranco tenha provado, com sucesso de público e de crítica, que o instrumento era perfeitamente compatível com a linguagem moderna do jazz. O mesmo deve ser dito em relação a Jimmy Giuffre e à estética mais camerística do cool jazz.
Nas últimas décadas, o clarinete mais comum (em si bemol) e o clarone (clarinete baixo) passaram a ser as principais “palhetas” de músicos fora de série e de grande prestígio, como os americanos Don Byron, Eddie Daniels, Ken Peplowski e Marty Ehrlich; o cubano Paquito D'Rivera e a israelense Anat Cohen, radicados em Nova York; o francês Michel Portal e o italiano Gianluigi Trovesi.
Esta lista deve ser ampliada com o nome de Ben Goldberg, brilhante intérprete e compositor atuante na Califórnia, e que passou a impressionar os jazzófilos antenados com sua alquimia musical de inspiração judaica, ao lado de seus asseclas do New Klezmer Trio, numa série de três álbuns (selo Tzadik) gravados entre 1991 e 2000: Masks and faces, Melt zonk rewire ( anagrama de New Klezmer Trio) e Short for something. E também no disco Light at the crossroads (Songlines), em quarteto, tendo como colíder o também notável clarinetista Marty Ehrlich.
Goldberg vem de lançar, na sua etiqueta BAG, o seu mais atraente CD: Subatomic particle homesick blues (!?). As 11 faixas selecionadas – registros de 2008, mas só agora revelados - são compostas de variações em grande parte contrapontísticas, polirrítmicas e pantonais. E pouco têm de melancólicas como parece indicar a expressão homesick blues. Nove delas são criadas por um quinteto que tem na linha de frente, além do clarinetista, os também excelentes Joshua Redman (sax tenor) e Ron Miles (trompete), mais a seção rítmica crepitante formada pelo baixista Devin Hoff e pelos bateristas Chess Smith e Scott Amendola – este último em Possible (5m50) e The because (4m35). Duas são variações em dueto de Goldberg e Redman, totalmente ad libitum, na base do aqui e agora, sem barras de compasso ou qualquer “rede de proteção” rítmica: Study of the blues (2m50) e Lopse (2m).
Na maioria das faixas, há uma transfiguração radical da improvisação coletiva típica do estilo Nova Orleans, no qual, num enredo contrapontístico ingênuo, a corneta carregava a linha melódica básica, o trombone (tailgate style) “respondia” às provocações da corneta de forma rítmico-melódica, e o clarinete ornamentava a linha melódica, tudo isso por sobre um ritmo binário bem sincopado.
Nas performances do conjunto “retrô-pós-moderno” de Goldberg, não há muito lugar para solos, mas uma constante interação entre seus membros, com referências ao vanguardismo de Ornette Coleman e Henry Threadgill. As faixas do quinteto que merecem especial audição são as duas primeiras, Evolution (3m55) e Ethan's song (5m35); Possible (5m50), “uma exuberante marcha fúnebre”, conforme o líder; Satisfied mind (7m30), um tema bluesy, cujo desenvolvimento tem Joshua Redman em destaque, de maneira bem free; e Who died and where I moved to ( 5m50), com Goldberg no clarinete contralto (maior e mais grave do que o clarone).