Aos 58 anos, Cheryl Bentyne é, desde 1979, a estrela do melhor e mais conhecido grupo vocal de jazz, o Manhattan Transfer. O conjunto – que tem ainda Tim Hauser, Alan Paul, e Janis Siegel - “estourou” em 1985, com o LP Vocalese (Atlantic), que recebeu 12 indicações para o Grammy, e ganhou os prêmios de melhor disco de jazz vocal e de melhor arranjo para vozes – este para o arranjo da faixa Another night in Tunisia, assinado pela swinging e cristalina soprano e pelo incomparável Bobby McFerrin.
No ano passado, a vocalista capaz de abarcar quatro oitavas enfrentou – com cirurgia e quimioterapia – um câncer no sistema linfático. Dada como curada, ela comemora a volta às atividades como solista com o release internacional do CD Let's misbehave: The Cole Porter songbook (Summit), gravado em 2009, e que tinha sido lançado, apenas, no ávido mercado japonês.
O álbum contém 14 das mais conhecidas gemas de Cole Porter, a começar por arranjos de Love For Sale (5m20) e It's allright with me (4m10) assinados pelo pianista-arranjador Corey Allen (ex-marido de Bentyne), que acentua no, no órgão, o clima bem jazzístico da sessão, embora a vocalista faça uso restrito do scat singing. Mas a articulação e o tratamento “instrumental” que ela dá aos fonemas e às letras das canções sofisticadas de Porter confirmam sua condição de estrela de primeira grandeza na constelação das jazz singers. Para usar adjetivos tirados da letra de It's delovely - interpretada numa faixa de 3m55, com o apoio da guitarra de Larry Koonse e do trompete com surdina de Chris Tedesco – Cheryl Bentyne é sempre delightful, delicious, delectable.
What is this thing called love (3m40) e Ev'ry time we say goodbye (5m45) têm destaque todo especial por contarem com solos de um ilustríssimo convidado – o saxofonista-tenor James Moody, pioneiro do bebop, que morreu em dezembro de 2012, aos 85 anos, pouco mais de um ano depois desta gravação.
A faixa-título do CD, Let's misbehave (2m10), uma canção composta por Cole Porter em 1927 (não confundir com Ain't misbehavin', de Fats Waller), é desenvolvida por Cheryl Bentyne como uma bem humorada paródia do estilo Dixieland – com o “som” e a polifonia ingênua da época recriados pelo trompete de Tedesco, pelo clarinete de Doug Webb e pela tuba de Kevin Axt. O tema de My heart belongs to daddy (3m15) é recriado em atmosfera caribenha, com direito a solos animados de piano e trompete. O tratamento de Begin the beguine (3m35) é particularmente sedutor, com a voz sussurrante de Cheryl acompanhada, apenas, pela bateria de Dave Tull.
A técnica do scat singing, à maneira dos Swingle Singers, em estilo bachiano, é empregada pela vocalista na introdução de You'd be so nice to come home to (3m05). All of you (3m40), em tempo médio, é o veículo perfeito para a vocalese de um solo de Miles Davis da década de 50. Em I love Paris (3m25), cantado em ritmo bem lento, as palavras são escandidas como versos, com acompanhamento de trompete assurdinado e órgão.