O primoroso e versátil guitarrista John Abercrombie, 67 anos, tem no seu currículo mais de 20 álbuns gravados para a ECM, como líder, desde 1974. Os mais conhecidos são os do trio Gateway (Dave Holland, baixo; Jack DeJohnette, bateria) e do Organ trio (Dan Wall, órgão; Adam Nussbaum, bateria). Este último conjunto foi a base do CD Open land, de 1998, de concepção bem complexa, mais out do que in, com a participação de outros três grandes músicos: Joe Lovano (sax tenor), Mark Feldman (violino) e Kenny Wheeler (trompete). Em 2009, o guitarrista-compositor lançou Wait till you see her, mais camerístico, ao lado de Feldman, Joey Baron (bateria) e Thomas Morgan (baixo).
Joe Lovano e Joey Baron reencontram-se com Abercrombie — mais o baixista Drew Gress — no recém-lançado Within a song, gravado em setembro do ano passado, no Avatar Studios, Nova York.
E a gênese dessa sessão é assim explicada pelo próprio líder: “Manfred Eicher (o dono e a alma da ECM) e eu já tínhamos falado em fazer um álbum que prestasse homenagem a um determinado artista ou compositor de jazz. Mas, finalmente, preferi revisitar a era em que meus gostos musicais se formaram. Os discos que eu estava ouvindo naquele tempo eram, em sua maioria, de jazz post-bebop, geralmente de músicos que estavam, de maneiras diversas, estendendo as formas (habituais)”.
Essa reapreciação de um passado não tão longínquo da evolução do jazz é feita por Abercrombie e seus companheiros no novo disco, a partir de Where are you (5m45) e Without a song (7m55) – dois standards tratados por Sonny Rollins e o guitarrista Jim Hall no antológico LP The Bridge (RCA,1962); Flamenco sketches (6m30), de Miles Davis (Kind of blue, Columbia, 1959); Interplay (6m20), do quinteto do pianista Bill Evans (Riverside, 1962), com Freddie Hubbard, Jim Hall, Percy Heath e Philly Joe Jones; Blues connotation (6m10), de Ornette Coleman (This is our music, 1960); Wise one (9m10), de John Coltrane (Crescent, Impulse, 1964). Abercrombie assina — além da faixa-título, metamorfose de Without a song — Easy reader (6m30) e Nick of time (5m50).
Nas escolhas e no modo de tocar do guitarrista, fica evidente a influência que teve na sua formação o eminente Jim Hall que, aos 81 anos, continua ativo e criativo, e não apenas um capítulo já “lido” da história do jazz. A nona faixa do novo disco é uma interpretação do tema Sometime ago, um standard que ficou na cabeça e no coração de Abercrombie por ser a theme song do refinado quarteto que o pistonista Art Farmer formou com Hall, circa 1963.
Quanto à peça de Bill Evans do quinteto citado mais acima (com Hall), Abercrombie comenta: “Eu sempre gostei desse tema de Bill (Interplay), que é muito bem escrito em minor blues. A construção da melodia e o uso de intervalos são únicos. Além disso, gostei da chance de tocar um blues num álbum da ECM”.
A extrema elegância melódico-harmônica do quarteto de Within a song resulta, principalmente, da afinidade do líder com o Joe Lovano, mestre do sax tenor, doutor em expressão musical, e um daqueles jazzmen já canonizados em vida. Joey Baron mantém, em alto nível de excelência, a arte da percussão “pontilhista” cultivada, como nenhum outro, pelo saudoso Paul Motian (1931-2011).
Drew Gress é o requintado contrabaixista (e também compositor) que se costuma ouvir na companhia de músicos exigentes que tocam para plateias igualmente exigentes, como o pianista Fred Hersch, o trompetista Ralph Alessi, o compositor-percussionista John Hollenbeck (Claudia Quintet) e o violinista Mark Feldman.