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"É impensável que o STF possa anular sua própria decisão", diz Battisti

Italiano que deverá ser extraditado afirma que políticos, policiais, carcereiros querem vê-lo morto

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Cesare Battisti, 62 anos, movimenta paixões no Brasil. Condenado em seu país, a Itália, por quatro assassinatos cometidos na década de 1970, o ex-membro da milícia Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) e hoje escritor vive na maior nação da América Latina desde 2004.

Desde então, tem o apoio de uma militância fiel que defende sua inocência e o ódio daqueles que exigem sua extradição. Ainda assim, diz se sentir mais brasileiro do que italiano. "Nos sentimos melhor na casa de nossos amigos do que na casa daqueles que nos tornam alvo de seus ódios e ressentimentos", afirma, em entrevista exclusiva à ANSA Brasil.

O momento não é fácil para Battisti. O status de refugiado político concedido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está na iminência de ser revogado pelo governo de Michel Temer, que cedeu às pressões de Roma e aceitou entregar o ex-membro do PAC.

O argumento do Planalto para justificar a extradição é a prisão do italiano na fronteira entre Brasil e Bolívia, na semana passada, com o equivalente a mais de R$ 20 mil em moeda estrangeira. Para o governo, Battisti estava tentando fugir.

Para o italiano, trata-se de uma armação feita com o objetivo de expulsá-lo.

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Com a decisão de Temer tomada, o último recurso de Battisti é o habeas corpus impetrado por sua defesa no Supremo Tribunal Federal (STF), em quem o ex-membro do PAC deposita suas esperanças. "Considero absolutamente impensável que o STF possa anular sua própria decisão", diz.

Confira abaixo a entrevista concedida por Battisti: 

ANSA: O ministro da Justiça confirmou que o governo já decidiu extraditar o senhor. Como o senhor recebe essa notícia? 

Cesare Battisti: O STF deve ser consultado e ter a última palavra. Foi o STF que, em junho de 2011, reconheceu a validade do decreto de Lula pelo qual a extradição foi recusada. O STF aprovou minha soltura por seis votos contra três. Considero absolutamente impensável que o STF possa anular sua própria decisão. Entre os que votaram em favor de minha soltura estava, em 2011, o ministro Fux [relator do habeas corpus no Supremo].

ANSA: O senhor teme pela sua segurança caso seja extraditado? 

Battisti: Numerosos políticos, policiais, carcereiros e outros membros do Estado italiano deixaram muito claro que querem que eu seja morto. Em 2009, o então ministro da Defesa, Ignazio La Russa, disse que queria torturar-me com suas próprias mãos, e disse isto na frente dos jornalistas.

ANSA: O senhor recebeu alguma ameaça ao longo desse período? 

Battisti: Olha, não apenas recebi ameaças pessoais, mas, também meus advogados anteriores receberam. Um de meus advogados recebeu uma vez um envelope com um pó que simulava ser anthrax.

ANSA: O senhor acredita que a decisão do governo de extraditá-lo se deva a motivos ideológicos? 

Battisti: Não acredito. Aliás, eu não sei qual é a ideologia do governo.

ANSA: O senhor conversou com Lula desde que teve autorização para viver no Brasil? 

Battisti: Jamais falei com Lula, nem antes nem depois.

ANSA: O senhor formou uma família no Brasil. Eles estão cientes da possibilidade real de extradição? Irão para a Itália com o senhor, caso isso aconteça? 

Battisti: Meu filho tem quatro anos, filho de brasileira, portanto, ir para a Itália significaria afastá-lo de sua cultura e de seus afetos. Aliás, é óbvio que na Itália nenhuma pessoa relacionada comigo tem muita segurança ou será bem vinda. Mesmo meus irmãos são provocados muitas vezes. Há alguns anos, a polícia italiana tomou prisioneiras minha irmã e minha cunhada.

Mas digo novamente: não acredito que a extradição seja possível.

ANSA: Se o STF conceder o habeas corpus, o senhor continuará vivendo no Brasil, sabendo do risco de extradição? 

Battisti: Sim, continuarei. Amo este povo amigo, solidário, fraterno. Ele dá um grande exemplo de bondade e humanidade.

ANSA: O senhor cogitou ou cogita pedir refúgio em outro país, onde sinta mais segurança? 

Battisti: Não, aqui tenho minha nova família, numerosos amigos, pessoas que me apoiaram e me oferecem toda sua solidariedade.

Viver com absoluta segurança é impossível. Para viver, uma pessoa digna sempre corre riscos.

ANSA: Nos últimos dias, vimos muitos políticos italianos pedindo sua extradição. Mas o senhor recebeu mensagens de apoio vindas de seu país? 

Battisti: Recebo, mas não de políticos. Recebo de intelectuais, escritores, jornalistas progressistas, etc.

ANSA: Devido a todos esses anos como refugiado, o senhor se considera mais brasileiro ou italiano? 

Battisti: Brasileiro. Todos nos sentimos melhor na casa de nossos amigos do que na casa daqueles que nos tornam alvo de seus ódios e ressentimentos.

ANSA: O senhor gostaria de mandar uma mensagem para os familiares das vítimas dos homicídios que a Justiça da Itália lhe atribui? 

Battisti: Olha, toda morte é lamentável. Mas não faz sentido que eu me desculpe pelo que outros fizeram. 

*por Lucas Rizzi