Após meses de negociações difíceis, o enviado da Organização das Nações Unidas, Bernardino León, e os representantes dos Parlamentos de Tobruk e Trípoli conseguiram fechar uma lista de nomes para governar de maneira unificada a Líbia.
Agora, a lista acordada nesta quinta-feira (08) na reunião em Marrocos precisará passar pela aprovação de ambos os Congressos. Quem fez o anúncio foi o próprio León, que afirmou que "espera que essa lista de nomes possa encontrar apoio de todos os líbios" e que ela "tenha muito apoio da comunidade internacional".
O novo primeiro-ministro do país seria Fayez Serraj, originário de Trípoli, mas que é membro do Parlamento de Tobruk. Quem ocuparia o posto de vice-premier seria Ahmed Maetiq (da milícia Misurata e que atua em Trípoli), auxiliado por Moussad Kony (líder independente do sul da Líbia) e Fathi Majbari (do leste do país, apoiado por Tobruk e pelo Exército líbio). Os ministros do novo governo seriam Mohamed Ammari (Trípoli) e Omar al-Assad (do grupo liderado por Zintan). O ministro das Relações Exteriores da Itália, Paolo Gentiloni, comemorou o resultado das negociações. "Satisfeito pelo resultado obtido pelas delegações dos grupos líbios. É uma importante etapa do percurso para uma confiável criação do governo de unidade nacional", disse o chanceler.
Os italianos acompanham a questão de perto por duas questões especiais. O primeiro, e mais preocupante, é que é dessa pequena nação que partem a maior parte dos barcos repletos de imigrantes ilegais que chegam à Itália pelo Canal da Sicília. O outro é que a ex-colônia italiana fica muito próxima ao país e, com o avanço do grupo extremista Estado Islâmico (EI, ex-Isis), os italianos podem se tornar um alvo fácil para os terroristas.
Em seu discurso, León ainda pediu desculpas às vítimas do conflito, ressaltando que "muitos líbios perderam a vida, muitas crianças e muitas mães sofreram: a todos eles pedimos desculpas por não termos sido capazes de propor esse governo antes".
Segundo agências da própria ONU, mais de 2,4 milhões de líbios estão passando por uma grave crise humanitária e milhares deles perderam a vida nessa guerra civil. Já o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, afirmou que "aplaudiu" a decisão de ambos os lado e pediu aos líderes para "não perderem essa oportunidade". Segundo o líder, agora "é o momento para as duas partes firmarem a proposta sem demora". A alta representante para a Política Externa da União Europeia, Federica Mogherini, emitiu uma nota em que diz que o bloco "dá pleno apoio" ao acordo firmado porque "não há tempo a perder para resolver os desafios" na Líbia. A italiana ainda informou que, assim que o documento foi assinado, a UE "está pronta para oferecer imediatamente apoio político e uma ajuda financeira de 100 milhões de euros para o novo governo". - Participação de León: O acordo assinado ontem é um notável sucesso ligado ao papel do enviado das Nações Unidas, que conseguiu dar um resultado efetivo poucos dias antes do fim de seu mandato e após meses de longas e intensas tratativas. O trabalho diplomático do espanhol começou, de fato, em setembro de 2014, quando foi encarregado de ser o Representante Especial das Nações Unidas para a Líbia. Mas, apenas nos primeiros meses de 2015, começaram as conversas efetivas. Após meses de numerosos anúncios de paz - e sucessivas negativas -, um primeiro "rascunho" do acordo foi atingido em julho, entre Tobruk, Misurata, Zintan e grande parte dos representantes de Trípoli. Porém, o Parlamento deste último não aceitou a proposta em votação. Naquele momento, a pressão internacional começou a ficar cada vez mais forte para um acordo de paz. No dia 13 de setembro, os dois governos rivais conseguiram chegar a uma espécie de "consenso" sobre os pontos principais dos debates. O percurso, naquele ponto, parecia menos acidentado e renovou as esperanças que já estavam se esvaindo. Mas, nos dias seguintes, voltou a discordância entre as partes ao indicar os nomes que teriam que ocupar os principais cargos para governar a nova Líbia. No início de outubro, as negociações no Marrocos foram retomadas em um clima que mostrava que as duas "capitais" líbias estavam cada vez mais se deslocando em direções opostas. Porém, León entrou de maneira enérgica nessa discussão e com "punhos de ferro" contra o Parlamento de Trípoli, que, por sua vez, pediu um pouco mais de tempo e aceitou as condições na noite de ontem.
- Entenda a crise na Líbia: A crise na Líbia começou no longínquo ano de 2011 após a revolução e a morte do ditador Muammar Kadafi. Os dois fatos levaram a nação ao caos total por não ter um poder que conseguisse unir o país. Um ano após a queda do regime e em pleno processo de reconstrução após as bombas jogadas na Líbia pela coalizão internacional, ocorrem as primeiras eleições livres que pareciam levar os líbios a uma verdadeira democracia. Mas, os confrontos ainda remanescentes e a violência entre várias milícias e os ex-rebeldes que não abandonaram as armas, complicaram a situação cada vez mais.No verão de 2014, o país entrou em colapso total com a divisão entre as instituições políticas - Tobruk e Trípoli - e a guerra entre as milícias de Zintan e Misurata pelo controle da capital. O novo Parlamento, junto ao governo do primeiro-ministro Abdullah al-Thani, que é reconhecido pelo mundo como oficial, são obrigados a fugir e a refugiar-se na cidade de Tobruk, em Cirenaica. No mesmo período, a capital cai sob o controle do grupo jihadista Fajr Libya que resolve comandar o país em oposição ao governo de Tobruk e em aliança com a Irmandade Muçulmana. O resultado desse caos é de uma nação quebrada ao meio. Para completar, a área de Sirte - ao norte - cai nas mãos dos terroristas do EI onde houve a imposição de um tipo de emirado baseado na rígida interpretação da sharia (lei islâmica).