Até março de 2014, o nome da companhia aérea Malaysia Airlines era sinônimo de qualidade, confiabilidade, segurança e bom serviço. No mercado desde 1946, a companhia gozava de boa reputação e cumpria, sem sobressaltos, rotas consagradas na Ásia e Europa. Aí chegou março. Mais especificamente 8 de março, quando o voo MH370, que ia de Kuala Lumpur, na Malásia, para Pequim, na China, desapareceu com 239 pessoas a bordo. O que já era terrível só piorou com o passar dos dias e a evidente incapacidade de as autoridades e da empresa aérea localizarem o avião, que segue desaparecido até hoje.
Era o começo de uma maré de azar sem precedentes na história da Malaysia Airlines. Pouco mais de quatro meses depois, um segundo voo da empresa, o MH17, que fazia a rota entre Amsterdã, na Holanda, e Kuala Lumpur, na Malásia, foi abatido na Ucrânia, matando mais 298 pessoas. No total, foram 537 mortes em aviões da Malaysia Airlines em 132 dias, o que dá uma média de mais de quatro mortes por dia em aparelhos da empresa no período. Como não poderia deixar de ser, as tragédias jogaram a companhia em uma crise financeira e de marca gravíssima que já custou o emprego de 6 mil pessoas.
Relembre outros casos deste ano triste não só para a tradicional companhia aérea asiática, mas principalmente para os passageiros e as famílias tocadas diretamente pelas tragédias que parecem ter escolhido um único lugar para acontecer: a Malaysia Airlines.
Voo MH370
Esta foi uma das maiores catástrofes não só da Malaysia Airlines, mas também da indústria de aviação. O voo MH370 não só caiu, como desapareceu, colocando em xeque todas as medidas de segurança de uma indústria bilionária que depende da confiança dos consumidores para funcionar. Até hoje, o sumiço da aeronave permanece um mistério, mesmo passados seis meses da tragédia.
No dia 8 de março de 2014, o voo MH370 decolou de Kuala Lumpur, na Malásia, com destino a Pequim, na China, mas nunca chegou. E pior, ninguém sabe responder o porquê.
O Boeing 777-200R, com mais de 60 metros de comprimento e 60 metros de largura, carregava 239 pessoas, entre passageiros e tripulantes. Uma hora depois da decolagem, a uma altitude de 11 mil metros e velocidade de 872 km/h, os radares perderam contato com o avião, que nunca mais foi encontrado.
Segundo os relatórios, as mensagens transmitidas da aeronave para a torre de controle, mesmo aquelas feitas minutos antes do desaparecimento, sugerem que tudo estava normal. No último contato, um dos pilotos da aeronave disse “boa noite. Malaysia Três. Sete. Zero".
O incidente colocou em movimento uma das maiores operações de busca por terra, mar e ar da história, com o envolvimento de 26 países. No oceano, a procura por sinais enviados pelas caixas-pretas, que poderiam estar a quilômetros de profundidade, custou dezenas de milhões de dólares. E nada foi descoberto.
Sobre a tragédia houve muitas pistas falsas depois de vasculhados quase 8 milhões de quilômetros quadrados de mar - o equivalente a 11% do Oceano Índico e a 1,5% da superfície terrestre. De todas as hipóteses levantadas, a mais plausível sugere ter havido uma despressurização da cabine dos pilotos, que teriam ficado sem oxigênio e, portanto, inconscientes. Nada, porém, foi comprovado e esta teoria não explica um desvio de trajeto feito pelo avião e registrado por satélites. Chegou-se a sugerir que dois passageiros iranianos voando com passaportes falsos poderiam ter envolvimento com a queda do avião, mas a teoria foi logo descartada.
Voo MH17
No dia 17 de julho deste ano, exatos quatro meses e 10 dias depois do sumiço do MH370, o mundo voltou seus olhos, mais uma vez, para uma grande tragédia envolvendo a Malaysia Airlines. Em rota de Amsterdã, na Holanda, para Kuala Lumpur, na Malásia, um Boeing 777-200 da empresa foi abatido por pelo menos um projétil quando sobrevoava a região de Donetsk, na Ucrânia. O aparelho explodiu no ar e caiu em região pouco habitada do território ucraniano. O voo, de número MH17, carregava 298 pessoas, sendo 15 tripulantes. Todos morreram.
Segundo um relatório preliminar divulgado pela Junta de Segurança holandesa quase dois meses depois do ancidente, ficou estabelecido que são fortes os indícios de que o impacto de projéteis foi responsável pelo fim abrupto do registro de dados pelas caixas-pretas, a perda simultânea de contato com o controle aéreo e o desaparecimento da aeronave dos radares.
Autoridades ucranianas e vários países ocidentais acusaram os separatistas pró-Rússia de terem derrubado o avião com um míssil fornecido por Moscou. Já a Rússia nega qualquer envolvimento no conflito e acusou o exército ucraniano pelo ataque.
O relatório confirmou também que a maioria das vítimas era formada por holandeses (193), e que os demais eram da Malásia (43), Austrália (27), Indonésia (12), Reino Unido (10), Alemanha (4), Bélgica (4), Filipinas (3), Canadá (1) e Nova Zelândia (1).
Depois do acidente, a companhia mudou a rota de alguns voos, que passaram a evitar o espaço aéreo ucraniano usando uma desvio pela Síria. Cinco dias depois da tragédia, em 22 de julho, um voo que saiu de Londres, na Inglaterra, com destino à Kuala Lumpur, na Malásia, já fez o trajeto alternativo.
Como em outros graves acidentes, a queda do MH17 suscitou teorias bizarras que muitas vezes dizem mais sobre quem as inventa, tamanha a insensibilidade, do que sobre o acidente. Oportunistas usaram a queda da aeronave para espalhar spam nas redes sociais, por exemplo, e parentes de vítimas que tiveram de cancelar cartões de crédito depois de perceber que eles foram roubados da cena do acidente e usados provavelmente por insurgentes. O roubo de objetos pessoais, como joias e maquiagens, das vítimas em meio aos destroços também foi registrado.
Voo MH198
Um Boeing 737-800 que voava de Kuala Lumpur, na Malásia, para Hyderabad, na Índia, no dia 14 de setembro, teve de retornar para a cidade de origem depois de identificada uma falha no piloto automático. Três horas após a decolagem, o voo MH-198 pousou com segurança no aeroporto malaio de onde tinha decolado.
A companhia aérea informou que a decisão pelo retorno ao aeroporto foi tomada pela tripulação como medida de segurança. Os passageiros foram levados para hotéis enquanto o problema era resolvido. A substituição do Boeing levou cerca de 15 horas.
Voo MH70
No dia 23 de agosto, um Boeing 777-200 da companhia que partiu de Kuala Lumpur, na Malásia, com destino à Tóquio, no Japão, apresentou problemas técnicos e teve de voltar para a capital malaia. Quarenta minutos depois da decolagem, os passageiros desciam do aparelho no aeroporto do qual tinham partido. Uma das testemunhas disse que o comandante justificou o retorno alegando questões de segurança.
Na Malásia, a aeronave foi substituída e os passageiros chegaram ao destino com algumas horas de atraso. Sobre este caso, a companhia aérea sequer se pronunciou, mas a Direção de Avião Civil da Malásia informou que a aeronave voltou por não conseguir estabilizar a pressão de cabine.
Voo MH136
Outro susto passado por passageiros e pela tripulação da empresa malaia aconteceu no dia 29 de julho quando um Airbus A330-300, de voo número MH136, acelerava para decolar no aeroporto da cidade Adelaide, na Austrália, com destino a Kuala Lumpur, na Malásia. Subitamente, a aeronave recebeu ordem da torre de controle para interromper o procedimento. Com 167 pessoas a bordo, o avião teve de parar às pressas ainda na pista.
A torre explicou que o incidente aconteceu depois que um Airbus da companhia Tiger Airways se aproximou de forma muito rápida para uma manobra de pouso – o pedido de interrupção da decolagem foi feito para evitar um acidente. O avião finalmente decolou 25 minutos da primeira tentativa frustrada e chegou a Kuala Lumpur com atraso de 10 minutos.
Voo MH1438
Como que parar coroar a fase ruim da companhia, um dos aviões da Malaysia Airlines foi atingido por um raio em 20 de maio deste ano. O Boeing 737-400, de voo número MH1438 e que viajava entre as cidades de Kuala Lumpur e Langkawi, ambas na Malásia, estava se preparando para pousar quando o raio caiu.
Um passageiro afirmou que o motor esquerdo teria explodido. A companhia, porém, disse que não houve nenhum dano à aeronave já que o raio teria atingido o aparelho no ar. Depois do susto, o voo MH1438 aterrisou com segurança em seu destino.
Voo MH192
“Vou me atrasar, o pneu furou”. Sabe a desculpa clássica dos atrasados que vem de carro ou de ônibus? Pois no dia 20 de abril foi exatamente isso que aconteceu, só que num avião. Da Malaysia Airlines. E não era desculpa. Com 159 passageiros e 7 tropulantes a bordo, um avião da empresa que partiria de Kuala Lumpur, na Malásia, com destino a Bangalore, na Índia, teve um de seus pneus furado durante a manobra de decolagem. Apesar do imprevisto, os serviços de emergência relataram que a aeronave pousou normalmente e em segurança.
Percebe-se que não foram poucos os problemas da empresa nos últimos meses. Ainda que alguns pareçam pequenos, vale lembrar que, em uma ano tão ruim quanto esse, até os menores problemas ganham importância monumental. E não foram só problemas em voos ou com aviões que afligem a combalida companhia malaia. Erros de estratégia, talvez num esforço desesperado para tentar recuperar a credibilidade da empresa, também tiveram consequências negativas para a companhia. Confira:
Bucket List: “minha última lista de desejos”
O termo "bucket list" costuma ser usado para descrever uma lista de coisas que uma pessoa deseja fazer antes de morrer. Com ingenuidade comovente, a companhia aérea lançou, no dia 1º de setembro, uma campanha chamada “My Ultimate Bucket List Campaign” (ou "Minha Última Lista de Desejos", em tradução livre) na Austrália e na Nova Zelândia.
Com as tragédias dos voos MH370 e MH17 tão frescos na memória, não demorou para que milhares de pessoas acusassem a insensibilidade da Malaysia Airlines. Por causa das críticas públicas, a empresa retirou a campanha do ar e das redes sociais em menos de três dias e divulgou um pedido de desculpas que garantia que, em momento algum, o desejo era desrespeitar as vítimas e seus entes queridos. Difícil de engolir.
Denúncia de assédio por passageira
A passageira Laura Bush (não é a mulher de George W. Bush) se viu em um momento complicado depois de sofrer assédio de um comissário de bordo durante um voo da Malaysia Airlines que fazia a rota entre Kuala Lumpur, na Malásia, e Paris, na França, no dia 4 de agosto. A mulher contou à TV australiana que o comissário de bordo Mohammed Rosli Bin Ab Karim teria colocado as mãos debaixo de sua calcinha enquanto ela tentava dormir.
O assédio teria acontecido em um momento de fragilidade da passageira, que revelou a Karim que estava com medo de viajar pela Malaysia Airlines depois das quedas dos voos MH370 e MH17. O comissário então teria se oferecido para acalmá-la, mas acabou por atacá-la durante a viagem.
Após fazer uma reclamação a outros membros da tripulação, Bush foi transferida para a primeira classe. O funcionário da companhia aérea foi detido logo que o avião aterrissou na França. O caso está sendo investigado.
Demissões de 6 mil pessoas
Quase 200 tripulantes da Malaysia Airlines pediram demissão nos primeiros sete meses de 2014, período durante o qual a companhia esteve envolvida com as repercussões dos acidentes dos voos MH370 e MH17, que resultaram na morte de 537 pessoas. Segundo a própria empresa, 186 funcionários revelaram que pediram demissão por causa da má fase da companhia. Alguns disseram que sofreram pressão de familiares para largar o emprego. Além dos pedidos de demissão, a empresa anunciou, no começo do segundo semestre, que ia demitir cerca de 6 mil funcionários - um corte de 20% de toda sua mão-de-obra.
No começo de agosto, as ações do grupo até deixaram de ser vendidas no mercado financeiro. Pouco depois, a empresa anunciou que receberia um aporte de US$ 1,9 bilhão do governo malaio para se reerguer da crise de 2014. Talvez a única notícia boa em um ano para esquecer.