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Algumas reflexões sobre renúncia de Bento XVI

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Com a inaudita e corajosa decisão do papa Bento XVI de renunciar, “pelo bem da Igreja... consciente de não ser mais capaz de exercitar o ministério petrino com a força que este exige”, deu-se início, quase que ao mesmo tempo, como é compreensível, às especulações sobre o seu sucessor.

Como sempre acontece às vésperas de uma tão singular votação, buscam-se chaves interpretativas para tentar desvendar os critérios que os cardeais utilizarão para emitir os seus votos na Capela Sistina, e assim poder determinar quem são os “papáveis” entre os membros do colégio cardinalício. Muitas das tais chaves se inspiram na política secular, procurando razões de cunho sociológico, geográfico ou racial. Um exemplo disso é querer dividir as tendências dos votos dos cardeais entre liberais e conservadores. 

Outro erro é cair no clichê muito difundido em alguns meios – fruto de lendas negras, cujas raízes remontam ao início da Idade Moderna – de que o Vaticano é movido por uma lógica de poder e dominação, em que cardeais inescrupulosos maquiavelicamente fazem alianças e propõem nomes para a eleição, com o fim de aumentar e perpetuar a sua influência. Evidentemente, o Conclave não é um romance de Dan Brown. Igualmente equivocado estará aquele que acreditar que a escolha do próximo papa estará condicionada por uma nacionalidade qualquer, ou pela cor da pele do candidato. Todas estas visões são reducionismos que dificilmente dão conta de explicar a complexa missão de eleger o próximo chefe da Igreja Católica.

Os cardeais são conscientes da sua função de eleger aquele que representará, para milhões de católicos espalhados pelo mundo, Jesus Cristo. Sabem que esta escolha incidirá sobre a vida de todos os fiéis e, querendo ou não, marcará a história. E, por mais que em seus ministérios particulares um ou outro cardeal possa demonstrar um estilo mais ou menos, digamos, “fora do padrão”, ou que agrade mais a liberais ou a conservadores, não se pode esquecer que na Capela Sistina não há influência da opinião pública, ou seja, os cardeais não terão que tentar agradar às massas e muito menos ter que dar contas de seu voto a ninguém a não ser a Deus.

Dito isto, também é necessário lembrar que os cardeais são seres humanos. E, dando por descontado que se deixam iluminar pelas suas experiências de fé para poderem escolher bem o próximo papa, sabem que não basta ficar rezando, esperando que um anjo apareça indicando o nome a ser escolhido. A ação do Espírito Santo, assim afirmam os teólogos, não exclui, antes bem exige, juízos e raciocínios para tentar encontrar quem será o melhor papa para a Igreja. E, neste juízo, há – e não poderia ser diferente – elementos políticos.

As primeiras listas de “papáveis” que têm sido publicadas são relativamente pequenas. Coincidem em mais ou menos 10 candidatos. Alguns se aventuram a dizer pode ser a hora de um papa africano, outros dizem que é a hora de um latino-americano. Outros ainda dizem que, desta vez, o trono de Pedro voltará a ser ocupado por um italiano. O que dizer?

Um papa africano? Fala-se do cardeal. Tukson, de Gana. Entretanto, deve-se dizer que aqueles que auguram a eleição de um africano imaginam que este, pelo simples fato de vir de um país que segundo uma dialética de inspiração marxista foi oprimido pelos europeus, teria que ser necessariamente um liberal anticapitalista. Contudo, repassando as biografias dos cardeais que provêm da África (Tukson incluído) pode-se perceber que estes são muito mais “conservadores” do que a maioria dos europeus. Basta lembrar, analogamente, no caso da Comunhão Anglicana, o absoluto rechaço dos bispos africanos à ordenação de mulheres ou à aceitação das práticas homossexuais.

Um papa latino-americano? Certamente, se comparada com a África, a América Latina oferece muito mais candidatos a quem, segundo os critérios midiáticos, poder-se-ia taxar de liberal (sobretudo pela não tão longínqua influência que a chamada Teologia da Libertação exerceu na formação de muitos eclesiásticos). Entretanto, não parece que exista nenhuma figura que possa concentrar a atenção da maioria dos cardeais. O arcebispo de Tegucigalpa, o cardeal salesiano Óscar Andrés Rodríguez Maradiaga, já apontado como forte candidato no Conclave de 2005, desgastou-se muito com a posição assumida durante o impasse político em Honduras, que viu o ex-presidente Manuel Zelaya refugiar-se por vários meses na embaixada brasileira neste país.

Entre os brasileiros, talvez o arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, possa ter alguma chance, uma vez que trabalhou durante muitos anos no Vaticano, antes de ser Bispo, e é muito respeitado na Cúria Romana. Há também dom João Braz de Aviz, prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica e membro ativo do movimento dos Focolares, movimento fundado por Chiara Lubrich, com o carisma de quem buscava a unidade pelo diálogo, e que é uma força crescente na Cúria Romana. Contudo, dom João foi criticado por alguns pelo modo como geriu a crise com as religiosas americanas “não sintonizadas” com Roma. Para alguns, ele teria sido muito condescendente. Para outros, talvez isso possa ser considerado não como uma crítica mas como uma virtude.

Um norte-americano? São dois os candidatos: Timothy Michael Dolan, arcebispo de Nova York. É um dos personagens religiosos mais importantes dos EUA no momento. Basta lembrar que foi chamado para fazer uma oração tanto no Congresso dos Democratas como no dos Republicanos. Além disso, é relativamente jovem e sabe utilizar a linguagem dos meios de comunicação, algo em falta no Vaticano, nos últimos anos. O outro candidato seria o canadense Marc Ouellet, prefeito para a Congregação para os Bispos. Trata-se de um forte candidato. É responsável pelo departamento da Cúria Romana que ajuda o papa a nomear os bispos pelo mundo. Foi arcebispo de Québec, onde deixou um grande legado religioso, em um país onde a Igreja Católica se encontra em profunda crise. Antes de ser bispo, foi missionário na Venezuela, pelo que conhece bem a América Latina. Fala diversas línguas.

Os italianos? Como sempre, aparecem como favoritos. E esta é também a dificuldade: são muitos os favoritos. Sem dúvida, entre todos, o nome que mais de destaca é o de Ângelo Scola, arcebispo de Milão. É intelectualmente próximo do Movimento Comunhão e Libertação, fundado por Luigi Giusani, e possui fortes laços com a política italiana. Ao mesmo tempo, Scola é muito próximo do pensamento de Bento XVI (que por sua vez tem muitos pontos de contato – ainda que por vias diversas – com o pensamento de Giusani). Foi nomeado em 2011 para pastor de Milão, a maior diocese italiana. Milão, historicamente, sempre quis manter uma identidade própria frente a Roma. De fato, possui um rito próprio, o ambrosiano, que remete a Santo Ambrósio, o qual no século IV foi um dos responsáveis pela conversão de Santo Agostinho. 

Desta sede era bispo Luciano Montini, futuro Paulo VI. Contudo, sim, é verdade que nos últimos 20 anos os arcebispos de Milão foram considerados como antagonistas do bispo de Roma. Para além dos exageros dessa visão simplista, não se pode negar que tanto o cardeal Martini como o cardeal Tetamanzi foram tidos como vozes mais alinhadas, em alguns pontos, com aquilo que muitos denominam de "Igreja progressista”. No caso de Scola, entretanto, parece ser mais bem o contrário.

Conclusão: é difícil saber quem será o eleito pelo Conclave. Contudo, prestando atenção às palavras de Bento XVI, tanto no seu surpreendente discurso do dia 11, quando anunciou a sua renúncia, como no discurso da última quarta-feira – quando pela primeira vez falou em público de sua decisão –duas ideias parecem claras quanto àquilo que os cardeais deverão ter em conta: que o novo papa terá que ser mais jovem e deverá ser capaz de enfrentar os desafios de conduzir uma Igreja que ainda busca encontrar o seu posto numa sociedade secularizada, e que já não entende por que um homem como o papa pode renunciar sem que seja forçado por uma grave doença ou por forças ocultas, mas somente motivado por uma profunda coragem, humildade, amor à Igreja e, sem dúvidas, por uma invejável liberdade interior.