Paulo Marcio Vaz, Jornal do Brasil
BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi chamado várias vezes, segunda-feira, de meu bom amigo , por seu colega iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, em meio à polêmica visita de um dia que o líder da República Islâmica fez ao Brasil. A amizade tinha seus motivos. O principal, certamente, foi o discurso de Lula em favor do direito de Teerã desenvolver, com fins pacíficos , seu programa nuclear, apesar das suspeitas da comunidade internacional sobre a possibilidade de Teerã ter a intenção de produzir armas nucleares visando um ataque a Israel.
O que temos defendido há muito tempo é que o Irã tenha o direito de enriquecer urânio para produção de energia com fins pacíficos, como o Brasil está desenvolvendo disse Lula.
O presidente brasileiro também falou sobre a crise no Oriente Médio. Citando o exemplo do Brasil, onde judeus e árabes convivem de forma pacífica, Lula lembrou que seu governo é favorável à criação de um Estado palestino independente que garanta a segurança de Israel. A afirmação se confronta com o posicionamento de Ahmadinejad, que já fez declarações polêmicas defendendo até a extinção de Israel e negando o Holocausto.
O Irã pode ter um papel decisivo, não só no Oriente Médio, mas também na Ásia Central. Confiamos na experiência milenar de sua cultura para forjar uma ordem internacional harmônica em sua própria região disse Lula à Ahmadinejad.
Mas o líder brasileiro evitou ir mais fundo em questões polêmicas, e não abordou, por exemplo, temas delicados sobre intolerância religiosa e falta de liberdade de expressão e direitos humanos no Irã, motivos de diversos protestos contra a chegada de Ahmadinejad ao Brasil.
Por outro lado, o líder iraniano também não deixou de agradar seu anfitrião, criticando a atual estrutura do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e defendendo que o Brasil ocupe uma das cadeiras permanentes do órgão. Sobre a questão nuclear, Ahmadinejad afirmou que o tema é usado como pretexto pelos Estados Unidos para impor sanções ao seu país. Ahmadinejad detalhou sua proposta iraniana de enriquecimento de urânio feita à AIEA, e culpou a agência e os Estados Unidos pela não assinatura de um acordo. Ahmadinejad afirmou ainda que, desde a Revolução Islâmica de 1979, os inimigos do Irã na comunidade internacional buscam pretextos para atacar o país.
Nunca deixamos (sem resposta) nenhuma pergunta da Agência Internacional de Energia Atômica. Entregamos documentos que têm todos os detalhes de nosso programa disse Ahmadinejad.
Relação preservada com EUA
O professor David Fleischer, do Instituto de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade de Brasília, não vê riscos para as relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos por causa da visita de Ahmadinejad, e diz que o dicurso de Lula sobre o direito iraniano de produzir energia atômica não é novidade.
Ao defender o direito de o Irã ter seu programa nuclear, ele (Lula) fez o mesmo discurso de sempre, que já era conhecido pelos Estados Unidos.
Para Fleischer, o Brasil agiu certo ao receber Ahmadinejad, apear dos protestos de algumas autoridades e parte da população.
Concordo com a posição do Itamaraty. O Brasil não pode ter restrições ao diálogo com quem quer que seja.
Motivos ocultos
O professor vê, porém, razões não mencionadas diretamente pelo governo brasileiro que justificam a postura de Brasília. Em relação ao Oriente Médio, de uma forma geral, Fleischer lembra que o fato de Lula ter recebido, em curtíssimo espaço de tempo, o presidente israelense, Shimon Peres, o líder palestino Mahmoud Abbas, e, finalmente, Ahmadinejad, não foi mera coincidência.
O Brasil quer ser credenciado como uma nação neutra, e, dessa forma, atuar como mediadora da crise no Oriente Médio explica. Dessa forma, o país ganha status e prestígio internacional.
Fleischer lembra ainda mais um motivo não declarado , que, segundo ele, teria a ver com uma aspiração quase pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Aparecer como o líder que atuou de forma a pacificar um conflito tão difícil como o do Oriente Médio certamente credenciaria Lula a se candidatar ao Prêmio Nobel da Paz. diz.
Durante a cerimônia da tarde de segunda-feira, os governos do Brasil e do Irã assinaram memorandos e convênios nas áreas de cultura, energia, ciência e tecnologia, agricultura e comércio exterior. Os dois lados também assinaram um acordo dispensando a necessidade de vistos aos portadores de passaportes diplomáticos viajando entre os dois países. Além disso, também firmaram um acordo de cooperação a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Câmara de Comércio e Indústria do Irã.
Depois do Brasil, o presidente iraniano completa sua viagem latino-americana de cinco dias com visitas a Bolívia e Venezuela. Depois, retorna a Teerã com escalas no Senegal e em Gâmbia. Lula vai retribuir a visita em 2010.
Depois da rua, protesto foi na Câmara. Por deputados
O presidente iraniano não viu o protesto de populares na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, mas ao atravessar a avenida do Palácio Itamarty, depois do almoço, para visitar o Congresso, teve uma leve indigestão. Abriu um sorriso sem graça ao deparar-se, logo na chegada do salão Negro da Câmara dos Deputados, com uma faixa: Holocausto nunca mais .
Estava na companhia do presidente da Câmara, Michel Temer, e do Senado, José Sarney, seguidos por comitiva. Todos passaram direto, mas o constrangimento foi notável, porque os organizadores do protesto, os deputados tucanos Zenaldo Coutinho (PA) e Marcelo Itagiba (RJ), além de segurarem a faixa em sua passagem, também mostraram para Ahmadinejad um cartão vermelho.
Na faixa, também se lia Ninguém pode apagar a história . Como já divulgado, o iraniano nega o holocausto.
Os parlamentares também levaram para o Congresso sobreviventes da Segunda Guerra que viveram em campos de concentração nazistas. De cadeira de rodas, aos 84 anos, o presidente da Associação de Sobreviventes do Nazismo, Ben Abrahan, segurou uma das faixas contrária à presença de Ahmadinejad no Brasil.
Passei cinco anos e meio no campo de concentração nazista. Vi as câmaras de gás e os crematórios expelindo fumaça preta e senti nas minhas narinas o cheiro de carne queimada. E agora vem esse homem que nega o Holocausto e é recebido como chefe de Estado pelo nosso governo do Brasil? questionou.
Protocolo
O presidente do Senado, José Sarney, reafirmou o caráter pacifista da história do Brasil e do continente americano, ao dizer que aguarda-se, com muita esperança, que a paz se restabeleça entre judeus e palestinos e que a solução pacifista seja duradoura. Além do crescimento da relação comercial entre Brasil e Irã, Sarney reforçou o desejo de intensificação do relacionamento entre os dois povos .
General diz que Brasil e Irã querem dominar ciclo atômico
Ex-chefe do gabinete militar no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o general Alberto Cardoso disse segunda-feira que Brasil e Irã têm pontos do comum no desenvolvimento da energia nuclear. Ambos desejam dominar o ciclo atômico para o desenvolvimento econômico , disse o general. Ele acha, no entanto, que os dois países têm peculiaridades diferentes em termos de programas nucleares.
Não creio que haja desejo de desenvolver um programa de cooperação na área militar. Mas os dois defendem o direito de poder dominar a energia nuclear afirmou Cardoso.
Favorável a que o Brasil domine todo o ciclo da energia nuclear, o general lembra que os programas brasileiros _ como o que prevê a construção do submarino de propulsão nuclear e as usinas para a produção de energia _ não são destinados à fabricação de armas nucleares.
O tema das armas nucleares foi tratado apenas formalmente segunda-feira no encontro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu colega iraquiano, Mahamoud Ahmadinejad. Há diferenças fundamentais entre os dois programas no conteúdo e no tratamento dado pela comunidade internacional. No Brasil, as autoridades militares defendem o compromisso firmado na Constituição e nos tratados internacionais de não desenvolver artefatos nucleares, mas são favoráveis a que o país domine o ciclo nuclear completo como forma de dissuasão à corrida armamentista.
Já o Irã é visto com desconfiança pela comunidade internacional. Pesam contra o país a insistência com que Ahmadinejad defende o direito do país em desenvolver um programa sem o controle internacional e os sucessivos embates entre autoridades militares com os inspetores da Agência Internacional de Energia Nuclear (AIEA), sucessivas vezes barrados nas missões de fiscalização. O Conselho de Segurança da ONU já emitiu vários documentos reclamando da falta de acesso.
Boa parte dos protestos segunda-feira, em Brasília, foi motivada pelo tema nuclear.
O Irã insiste em desenvolver um programa fora do controle internacional, o que tem elevado o nível de tensão numa região já bastante conflagrada disse o presidente do PPS, Roberto Freire.