Bruna Talarico, Jornal do Brasil
RIO DE JANEIRO - Da varanda de seu apartamento, na Recoleta, um dos bairros mais nobres da capital de Buenos Aires, a estudante de moda Florencia Perticari, 18 anos, tem a vista privilegiada da Plaza Francia, do cemitério onde está enterrada Eva Perón, do Museu de Belas Artes e da Faculdade Nacional de Direito. Mas nem só de ícones turísticos é feita a paisagem que emoldura os dias de Florencia: puxadinhos se assomam ao longe, nem tão longe assim, no que é conhecida como Villa 31, a maior favela da capital argentina. E é esse cenário que hoje ilustra o aumento de 30% das favelas, observado nos últimos dois anos pela ONG Associação Civil pela Igualdade e Justiça de Buenos Aires.
Segundo a jovem, o crescimento desordenado das favelas já se reflete no cotidiano de qualquer cidadão ou mesmo turista, e não é preciso chegar muito perto da Villa 31 ou de qualquer outra villa conjunto habitacional de emergência para conhecer os reflexos da pobreza. Ao sair do edifício onde mora, ela é assediada por crianças que vendem flores e pedem dinheiro em um dos metros quadrados mais valorizados da capital.
Um estudo da ONG Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS) mostra que o déficit habitacional afeta de maneira mais grave os grupos vulneráveis da sociedade, como crianças e jovens. Ainda de acordo com o mesmo estudo, quatro entre cada 10 moradores de favelas de Buenos Aires têm menos de 10 anos, e enquanto a média
de idade na cidade é de 38,7 anos, entre os habitantes das villas é
de 24,4 anos.
Para o deputado Facundo Di Filippo, presidente da Comissão de Habitações da Legislatura de Buenos Aires, o crescimento das favelas está atado aos níveis de pobreza argentinos, mas outros fatores se somam ao contexto econômico e ajudam a compor o cenário do crescimento das favelas. Este é o caso da migração de moradores do interior do país e de países limítrofes como Peru, Bolívia e Paraguai, e da incapacidade do mercado oficial para propor soluções habitacionais alternativas.
Desde a crise de 2001, as pessoas com dinheiro perderam a confiança no sistema financeiro argentino, e passaram a aplicar o capital em investimentos imobiliários, em construções de edifícios para a classe média e média alta aponta. E a conseqüência disso foi a saturação do mercado. A classe trabalhadora não tem acesso a essas moradias e só dispõe de três soluções: ou aluga um quarto em um hotel, ou nas villas ou nas casas invadidas.
Dados oficiais do governo argentino mostram que esta realidade atingia, em 2006, 5.9% da população da cidade de Buenos Aires, o que equivalia a 178.520 habitantes. E segundo o Instituto de Habitações de Buenos Aires, 96.974 pessoas nessas condições optam pela vida nas villas de emergência.
Hoje é assim: os mais pobres alugam habitações em villas resume Di Filippo. Na villa 31, por exemplo, existem muitas facilidades: são 50 ou 60 linhas de ônibus, você tem uma conexão de transportes com toda a capital, e a estação do Retiro recebe tanto fluxo nacional quanto internacional de passageiros. Existe também acesso facilitado à infra-estrutura da cidade.
O problema que cerca o crescimento das villas não é realidade exclusiva de Buenos Aires. Mas a convivência entre as classes abastadas e os marginalizados assusta os que não estão acostumados, como Florencia.
Acho que no final das contas vão acabar vivendo do nosso lado diz.