Marsílea Gombata, Jornal do Brasil
RIO DE JANEIRO - Longe dos bombardeios e do ódio que permeiam as relações entre palestinos e israelenses, um universo de 1.200 lojas, 11 ruas e 15 esquinas é prova de sólidos laços fraternos entre os dois povos. Na Sociedade de Amigos e Adjacências da Rua da Alfândega (Saara), um dos principais centros comerciais do Rio, árabes e judeus buscam manter o conflito na Faixa de Gaza longe do cotidiano e preservam política de boa vizinhança há décadas.
É o caso dos donos das lojas Ville Jóias e Maik Mik Festas. Nos números 290 e 294 da Rua da Alfândega, comerciantes originários de povos diferentes se vêem unidos por histórias quase similares. Tanto o judeu dono da joalheria Vitor Malik, 63 anos, quanto o filho de sírios Badih Riche, dono da casa de festas gostam de falar sobre a mesma origem de árabes e judeus.
Se você for buscar, verá que somos filhos do mesmo pai observa Riche. Os povos árabe e judeu são, portanto, irmãos.
Torcedores do Flamengo, os vizinhos de loja concordam que o problema que afeta palestinos e israelenses é mais de caráter político do que sobre a relação entre árabes e judeus.
Nosso enfoque aqui é o da paz, para o nosso trabalho e ganha-pão explica Malik. Estamos preocupados com nosso vizinho, em dar bom dia, boa tarde. Haja o que houver por lá, isso não vai abalar a nossa amizade aqui.
Laços
Os laços que unem Malik e Riche vão além do ambiente de trabalho. Dizem, na verdade, respeito a uma vida inteira, que teve início com a chegada de seus pais como imigrantes.
Meus pais moravam na parte de cima da casa e trabalhavam na parte de baixo. Acabávamos frequentando as mesmas escolas lembra Riche São nossos filhos trabalhando aqui, amigos.
Na Saara, explica o judeu filho de poloneses Natahm Gotlib, 70 anos, existe uma bandeira comum entre judeus, árabes, chineses e nordestinos no dia-a-dia, na qual se busca não ferir um ao outro .
Independentemente do que acontecer lá, aqui sem dúvida vamos continuar vivendo bem prevê o dono da Shalom (paz, em hebraico) Jóias. Não vou trazer o Oriente Médio para cá.
Parte da segunda das três gerações que comandam a Casas Pedro da Rua Tomé de Souza, Said Mussallem, 75 anos filho de pai libanês e mãe síria garante nunca ter vivenciado problemas com judeus por ser árabe.
Almoçamos juntos, tomamos café juntos conta. Aqui não tem guerra nenhuma. O que existe lá é uma batalha política em que estão massacrando quem não tem nada a ver com isso. É obra dos americanos para que o mundo inteiro se divida entre um ou outro.
Simbolizando uma trégua eterna entre os povos, Mussallem fez questão de saldar seus clientes com dizeres em hebraico (Barur rachem) e árabe (Alah kibik), em cada uma
das entradas de sua loja de temperos e iguarias.
Perspectiva
O desejo de que a guerra na região de Gaza acabe é consenso de ambos os lados. Nenhum dos lados, acredita-se, pode se eximir da culpa pelas mortes de centenas de civis.
O que estão fazendo é um crime protesta Riche. Quem morre são os civis, mas nunca os governantes.
Ao prever o futuro sobre a rixa que se estende por décadas na Faixa de Gaza, Malik torce para que a paz seja alcançada na região.
Lá não deveria existir guerra, povo é povo em qualquer lugar diz Malik. Fazemos votos para que algum dia as pessoas que moram naquela região consigam viver como a gente vive aqui.