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Irã e Arábia Saudita concordam em retomar relações em negociações mediadas pela China

Há muito tempo em desacordo, Irã e Arábia Saudita, respectivamente as duas principais potências muçulmanas xiitas e sunitas no Oriente Médio, têm apoiado lados opostos em guerras por procuração do Iêmen à Síria e outros lugares

Por JB INTERNACIONAL com Reuters
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Publicado em 10/03/2023 às 19:34

A bandeira iraniana tremula em frente à sede da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em Viena, Áustria (arquivo) Reuters/Lisi Niesner

O Irã e a Arábia Saudita concordaram nesta sexta-feira (10) em restabelecer relações após anos de hostilidade que ameaçaram a estabilidade e a segurança no Golfo e ajudaram a alimentar conflitos no Oriente Médio, do Iêmen à Síria.

O acordo, mediado pela China, foi anunciado após quatro dias de negociações não divulgadas em Pequim entre altos funcionários de segurança das duas potências rivais do Oriente Médio.

Teerã e Riad concordaram em retomar as relações diplomáticas e reabrir as embaixadas dentro de dois meses, de acordo com um comunicado divulgado pelo Irã, Arábia Saudita e China. "O acordo inclui a afirmação do respeito pela soberania dos Estados e a não interferência nos assuntos internos", disse.

A Arábia Saudita cortou relações com o Irã em 2016, depois que sua embaixada em Teerã foi invadida durante uma disputa entre os dois países sobre a execução de um clérigo muçulmano xiita em Riad.

O reino também culpou o Irã por ataques de mísseis e drones em suas instalações de petróleo em 2019, bem como ataques a navios-tanque nas águas do Golfo. O Irã negou as acusações.

O movimento Houthi, alinhado ao Irã, no Iêmen, também realizou ataques transfronteiriços com mísseis e drones na Arábia Saudita, que lidera uma coalizão que luta contra os Houthis, e em 2022 estendeu os ataques aos Emirados Árabes Unidos.

O acordo desta sexta-feira, assinado pelo principal oficial de segurança do Irã, Ali Shamkhani, e pelo conselheiro de segurança nacional da Arábia Saudita, Musaed bin Mohammed Al-Aiban, concordou em reativar um acordo de cooperação de segurança de 2001, bem como outro pacto anterior sobre comércio, economia e investimento.

O principal diplomata da China, Wang Yi, descreveu o acordo como uma vitória para o diálogo e a paz, acrescentando que Pequim continuará a desempenhar um papel construtivo na abordagem de difíceis questões globais.

O porta-voz de segurança nacional da Casa Branca, John Kirby, disse que a Arábia Saudita manteve os Estados Unidos informados sobre as negociações em Pequim, mas Washington não esteve diretamente envolvido. Ele disse que Washington apoiou o processo para promover o fim da guerra no Iêmen.

"Não se trata da China. Apoiamos qualquer esforço para diminuir as tensões na região. Achamos que é do nosso interesse e é algo em que trabalhamos por meio de nossa própria combinação eficaz de dissuasão e diplomacia", disse Kirby.

Laços estratégicos de longa data entre Riad e Washington foram tensos durante a administração do presidente Joe Biden devido ao histórico de direitos humanos do reino, a guerra do Iêmen e, mais recentemente, os laços com a Rússia e a produção de petróleo da OPEP+.

Em contraste, os crescentes laços da Arábia Saudita com a China foram destacados pela visita de alto nível do presidente Xi Jinping há três meses. O anúncio desta sexta-feira ocorreu no dia em que Xi conquistou um terceiro mandato como presidente da China em meio a uma série de desafios.

 

'MOVER-SE NA DIREÇÃO CERTA'

Há muito tempo em desacordo, Irã e Arábia Saudita, respectivamente as duas principais potências muçulmanas xiitas e sunitas no Oriente Médio, têm apoiado lados opostos em guerras por procuração do Iêmen à Síria e outros lugares.

Analistas dizem que ambos os lados podem se beneficiar com a desescalada, já que o Irã busca minar os esforços dos EUA para isolá-lo na região e a Arábia Saudita tenta se concentrar no desenvolvimento econômico.

Outros estados do Golfo, Emirados Árabes Unidos, Omã, Catar, Bahrein e Kuwait saudaram os laços saudita-iranianos restaurados, assim como Iraque, Egito e Turquia.

"Mais instabilidade regional não é do interesse saudita ou iraniano no momento", disse Kristian Coates Ulrichsen, cientista político do Instituto Baker da Rice University, nos Estados Unidos.

"E o fato de os chineses terem abordado isso em um momento em que a postura dos EUA em relação ao Irã está se tornando mais agressiva envia um sinal poderoso por si só."

O ministro das Relações Exteriores saudita, príncipe Faisal bin Farhan Al Saud, em declarações transmitidas pela televisão estatal, disse que Riad "favorece soluções políticas e diálogo".

O ministro das Relações Exteriores do Irã, Hossein Amirabdollahian, deu a entender que mais está por vir.

"A política de vizinhança, como eixo principal da política externa do governo iraniano, está se movendo fortemente na direção certa e o aparato diplomático está ativamente por trás da preparação de mais etapas regionais", escreveu Amirabdollahian no Twitter.

Um alto funcionário iraniano disse que lidar com as tensões com a Arábia Saudita se tornou uma prioridade para Teerã e ajudaria a resolver as negociações de longa data sobre o programa nuclear iraniano.

"Isso vai encorajar o Ocidente a chegar a um acordo nuclear com o Irã", disse a autoridade à Reuters.

A Arábia Saudita e seus aliados há muito pressionam as potências globais a lidar com seus temores sobre os programas de mísseis e drones do Irã em seus esforços para reviver um acordo nuclear de 2015 com Teerã.

Cinzia Bianco, pesquisadora do Conselho Europeu de Relações Exteriores, disse que Riad estava buscando garantias de segurança dos iranianos. O Irã também pode ter respondido positivamente aos apelos de Riad para "pressionar ativamente os houthis a assinar um acordo de paz com a Arábia Saudita que liberte os sauditas da guerra do Iêmen, que se tornou um pântano", disse Bianco.

"Se essas duas (questões) estiverem em vigor, estou confiante e positivo sobre o acordo."

O príncipe Faisal disse em janeiro que o progresso estava sendo feito para encerrar o conflito no Iêmen e, na sexta-feira, os Houthis no Iêmen e o Hezbollah, aliado do Irã no Líbano, saudaram o acordo.