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Só Trump acredita que ofensiva seria resolvida com reunião e tuítes

REUTERS/Jonathan Ernst -
Presidente dos EUA, Donald Trump
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Só na cabeça de Donald Trump a ofensiva da Turquia contra curdos sírios, novo front na interminável Guerra da Síria, seria resolvida com uma reunião e alguns tuítes.

O cessar-fogo costurado entre o vice-presidente americano, Mike Pence, e o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, foi anunciado com estardalhaço por Trump. "As pessoas têm tentado fechar esse acordo há anos. Milhões de vidas serão salvas. Parabéns a TODOS!", tuitou. Na sexta (18) de manhã, disse: "Não sabia que isso (o cessar-fogo) ia funcionar tão rápido. Não sabia que ia funcionar tão bem".

No entanto, não demorou nem um dia para o acordo começar a fazer água. O cessar-fogo de cinco dias foi negociado entre EUA e Turquia -sem combinar com os curdos, que concordaram mais por falta de opção. E cada um deles tem uma interpretação diferente do que diz o acordo.

Para os turcos, o cessar-fogo determina que a YPG curda tem que retirar todas as suas forças de "zona de segurança" que vai de Jarabulus até a fronteira do Iraque. Além disso, os curdos têm de destruir armamentos e bases na região.

"Começa agora o prazo de 120 horas para a organização terrorista YPG deixar a área que nós identificamos como 'zona de segurança'", disse Erdogan na sexta de manhã. Segundo ele, a "zona de segurança" englobaria 440 km da fronteira e 32 km para dentro do território. "No momento, nós já controlamos a área entre Tal Abyad e Ras al-Ayn".

Mas ele afirmou que não iam parar aí, "e o processo vai continuar com determinação" ao longo da fronteira.

E, para Erdogan, basta a Turquia esperar esses cinco dias para os EUA retirarem as sanções econômicas sobre a Turquia, ainda que continue ocupando as terras dos curdos.

O governo americano acha que concordou com outra coisa. O enviado especial dos EUA para a Síria, James Jeffrey, afirmou que a "zona de segurança", onde vigora o cessar-fogo, é uma área muito limitada --precisamente apenas onde a Turquia já está, que é de Tal Abyad a Ras al-Ayn, e não 440 quilômetros de fronteira.

Jeffrey também entende que a Turquia vai parar com todas as operações na região após o cessar-fogo. "Após os cinco dias, se as SDF tiverem se retirado, os turcos irão suspender todas as operações no nordeste da Síria."

E para os curdos, o mesmo acordo significa algo totalmente diferente. Cessar-fogo seria só entre Tal Abyad e Ras al-Ayn. Não há retirada de forças curdas da "zona de segurança" nem destruição de armamentos pesados.

Erdogan já saiu anunciando que vai começar a reassentar entre 1,5 milhão e 2 milhões de refugiados sírios atualmente em território turco na "zona de segurança" -sendo que, segundo cálculos do próprio governo turco, só 300 mil são curdos. Os outros são árabes, muitos de outras regiões da Síria.

Ora, dois corpos não ocupam o mesmo espaço. Dentro da "zona de segurança" estabelecida pelos turcos, estão algumas das principais cidades de Rojava, como os curdos sírios chamam sua região -Kobani, Qamishli, Amuda, Ras "‹al-Ayn e outras.

Essas cidades ficarão ocupadas por forças turcas? Ou, pior, ficarão ocupadas pelas milícias do antigo Exército Livre da Síria, que, patrocinadas pelos turcos, estão na ponta da operação -e que são inimigas figadais dos curdos?

A Anistia Internacional já alertou que as forças turcas e as milícias apoiadas pela Turquia (antigo Exército Livre da Síria) estão cometendo "sérios crimes de guerra, incluindo execuções sumárias e ataques que mataram e feriram civis. Os militares turcos e seus aliados têm mostrado desprezo total por vidas de civis, fazendo ataques em zonas residenciais".

O governo americano avisou que não irá manter tropas na área de segurança (sejá lá qual for ela). Ou seja, serão as milícias árabes e as forças turcas que garantirão a paz nas regiões habitadas pelos curdos?(Patricia Campos Mello/FolhaPress SNG)