SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ditador Nicolás Maduro acusou de mentiroso o recente relatório sobre a situação na Venezuela publicado pela Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, e disse que a diplomata deu um "passo em falso". Ele também exige retratação e correção pelo que seriam erros contidos no documento.
O relatório de Bachelet, divulgado em 4 de julho, apontava que as forças de segurança da Venezuela, leais ao regime de Maduro, se valem de esquadrões da morte para assassinar opositores, além de falsificarem situações que deem a entender que vítimas resistiram à prisão.
O documento foi produzido com base em 558 entrevistas com vítimas e testemunhas de violações de direitos humanos e da crise econômica do país. Maduro aponta em sua carta que 460 destas entrevistas foram realizadas fora da Venezuela, o que chama de falha "grave".
O ditador também argumenta que Bachelet seguiu instruções do Departamento de Estado dos EUA e de Elliott Abrams, encarregado de assuntos dos EUA com a Venezuela, ao elaborar seu relatório. Ela teria se baseado em relatos "midiáticos e políticos impostos por Washington".
O informe de Bachelet "é profundamente lesivo à dignidade do povo venezuelano", diz a missiva de Maduro, que a acusa de "não ter escutado a Venezuela" e, portanto, de não reconhecer a real situação dos direitos humanos no país.
Acrescenta que o documento de Bachelet é "cheio de falsas afirmações, tergiversações e manipulações no uso de dados e fontes".
Por fim, dá a entender que os Estados Unidos são parcialmente responsáveis pela crise humanitária na Venezuela, ao acusar Washington de ter bloqueado mais de 30 bilhões de dólares em ativos de petróleo do país no exterior e 7 bilhões de dólares destinados a compra de alimentos e remédios.
O relatório de Bachelet foi divulgado depois de sua visita a Caracas entre 19 e 21 de junho, ocasião na qual conversou tanto com o ditador Maduro quanto com o oposicionista Guaidó, além de ter encontrado vítimas da repressão de Maduro. A diplomata defendeu a libertação de opositores detidos pelo regime. O número chega a 800, de acordo com a ONG Foro Penal.
Depois da visita, dois representantes da ONU ficaram no país, com o objetivo de monitorar a situação de direitos humanos.
Cobrindo o período de janeiro de 2018 a maio de 2019, o relatório se debruça também sobre a profunda crise econômica na Venezuela, que tem privado as pessoas de comida e acesso à saúde. Afirma que, caso a situação não melhore, "o fluxo sem precedentes de venezuelanos para fora do país vai continuar, e as condições de vida dos que ficam vão piorar".
DADOS DO RELATÓRIO DA ONU
Violência
14 mortes em protestos em 2018, segundo ONG, e 0 segundo o governo; 66 mortos em protestos em 2019, segundo a ONU, e 29 segundo o governo
15.045 pessoas detidas por motivos políticos entre 2014 e 2019, a maioria em protestos, segundo a ONG Foro Penal
De acordo com o governo, houve 5.287 mortes por "resistência à autoridade" em 2018, mas o número é de 7.523 para a ONG Observatório Venezuelano da Violência
15.045 pessoas detidas por motivos políticos entre janeiro de 2014 e maio de 2019; 527 em 2018 e 2.091 até maio de 2019
7.523 mortes violentas registradas como “resistência à autoridade” em 2018 (5.287 segundo o governo); em 2019, até 19 de maio, 2.124 mortes nessa categoria (1.569 segundo o governo)
A Guarda Nacional Bolivariana (GNB) e a Polícia Nacional Bolivariana (PNB) foram responsáveis pelo uso excessivo da força em manifestações desde 2014 e as Forças de Ações Especiais (Faes) foram supostamente responsáveis por numerosas execuções extrajudiciais em operações de segurança
Presos submetidos a torturas e tratamentos cruéis como: aplicação de choques, asfixia com sacos plásticos, simulação de afogamento, espancamentos, violência sexual, privação de água e comida, posturas forçadas e exposição a torturas extremas
Mulheres detidas submetidas a serem arrastadas pelos cabelos, toques inapropriados, ameaça de estupro, nudez forçada e insultos sexistas
Alimentação
US$ 7 por mês era o valor do salário mínimo em abril deste ano, que cobria 4.7% do custo da cesta básica
10 horas é o tempo médio diário passado em filas para obtenção de alimentos
Mulheres obrigadas a terem relações sexuais em troca de comida
Saúde
1.557 mortes devido à falta de suprimentos em hospitais, entre novembro de 2018 e fevereiro de 2019
40 mortos em hospitais devido aos apagões de março deste ano
De 60% a 100% de escassez em remédios essenciais em quatro cidades, incluindo Caracas
100% de escassez de contraceptivos em diversas cidades, o que aumenta os riscos de transmissão de HIV e outras doenças, além de gravidez na adolescência
65% de aumento no número de adolescentes grávidas desde 2015
Retorno de doenças erradicadas, como sarampo e difteria
Liberdade de imprensa e internet
24 pessoas detidas ou punidas em 2018 por publicações em redes sociais
Diminuição da velocidade de acesso à internet, devido à falta de investimentos em infraestrutura
Fechamento forçado pelo governo de dezenas de veículos de mídia impressa, estações de rádio e TV
Detenção e perseguição de jornalistas, alguns dos quais forçados a deixar o país