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Clarins do armistício

Vagão onde foi assinado cessar-fogo da 1ª Guerra foi o mesmo utilizado por Hitler para humilhar franceses em 1940

AFP -
No cemitério de Douaumont, perto de Verdun, na França, o memorial onde estão sepultados 130 mil soldados franceses e alemães mortos na Primeira Guerra
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Na décima primeira hora do décimo primeiro dia do décimo primeiro mês de 1918, milhares de clarins anunciaram o cessar-fogo da Primeira Guerra Mundial. No início de novembro, as tropas do imperador Guilherme II retrocediam em todos os fronts ocidentais. Em 4 de outubro, o príncipe Maximiliano de Baden, o chanceler alemão, já havia dito ao presidente americano Woodrow Wilson que seu país estava pronto para iniciar negociações. Os Aliados exigiram uma rendição e a partida do kaiser alemão.

Contra a opinião do presidente francês Raymond Poincaré e do general Philippe Pétain, o marechal Foch, comandante-em-chefe das forças aliadas, e o chefe de governo, Georges Clemenceau, decidiram pôr fi m aos combates e não levar a guerra para a Alemanha. Em 5 de novembro, dois dias após a capitulação do Império Austro-Húngaro, tudo se acelerou. Enviados alemães, liderados pelo ministro de Estado Mathias Erzberger e pelo diplomata Alfred von Oberndorff, receberam ordens para ultrapassar as linhas aliadas.

Em 7 de novembro, perto da cidade francesa de La Capelle, ao norte do país, o primeiro cessar-fogo foi anunciado para permitir a passagem da delegação alemã. A missão foi acompanhada até a estação Tergnier, a cerca de 70 km de distância, onde tomou um trem para uma clareira em uma floresta perto de Compiègne, onde Foch esperava os alemães. Em 8 de novembro, o marechal recebe os alemães em seu vagão. “Vocês querem o armistício?”, perguntou. Vinte dois anos depois, Adolf Hitler se vingaria dos Aliados ao obrigar os franceses a assinarem sua rendição na mesma floresta, e ainda por cima na mesma carruagem onde fora decretado o cessar-fogo da 1ª Guerra.

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No cemitério de Douaumont, perto de Verdun, na França, o memorial onde estão sepultados 130 mil soldados franceses e alemães mortos na Primeira Guerra (Foto: AFP)

O general Maxime Weygand leu o texto com as condições dos aliados em 4 de novembro, em Versalhes. Os alemães enviaram um mensageiro para Spa, na Bélgica, base do marechal Paul von Hindenburg, comandante-em-chefe do exército alemão. O recado chegou em 9 de novembro. O kaiser acabara de abdicar e a República Alemã foi proclamada. A autorização para assinar o armistício chegou à delegação alemã em 10 de novembro, à noite. Na madrugada do dia 11, os enviados alemães estudaram os 34 artigos do acordo. Às 5h20, ambas as partes assinaram o documento. O armistício entrou em vigor às 11h. 

Às 10h55, o soldado Augustin Trébuchon, do 415º Regimento de Infantaria, morreu às margens do rio Meuse - provavelmente o último falecido francês na frente ocidental. Às 11h, quase no mesmo lugar, o soldado Octave Delaluque, do mesmo regimento, tocou com sua corneta as 13 notas do cessar-fogo. Do Mar do Norte a Verdun, os clarins aliados e alemães transmitiram o esperado sinal. Pouco a pouco, os soldados atordoados deixaram as trincheiras. Em Paris, centenas de pessoas aplaudiram o primeiro-ministro Georges Clemenceau em conta que não precisa ser inalado. Ele afeta pelo simples contato e passa facilmente por roupas, couro ou borracha. Nas trincheiras, os soldados procuravam soluções. Primeiro, usaram tecidos embebidos em água ou urina, substituídos depois por máscaras antigas, que transformaram os combatentes em criaturas estranhas, desumanizadas. No fim das contas, os novos venenos industrializados deixaram mais feridos que mortos. Estima-se que foram responsáveis por 90 mil vítimas fatais e mais de 1,2 milhão de feridos - de um total de 9,7 milhões de no bulevar Saint-Germain enquanto ele caminhava até a Assembleia Nacional.

Às 16h, ele leu as condições do armistício em ambiente de absoluto silêncio. O acordo estipulava que os alemães entregariam a maior parte do seu armamento e evacuariam a margem esquerda do Reno em 30 dias. Em todos os municípios franceses onde os sinos não tinham sido destruídos, eles soaram para celebrar uma amarga vitória para milhares de viúvas e órfãos. Em Saint-Nazaire, Brest e Le Havre, soldados americanos recém desembarcados desfilaram esperando para voltar para casa, assim como dois milhões de seus compatriotas, que lutaram durante meses contra os alemães.

Nas capitais aliadas, civis invadiram as ruas com alegria. Piccadilly Circus, em Londres, Quinta Avenida, em Nova York, Piazza Venezia em Roma. Na Alemanha, que não foi invadida durante todo o confl ito, o alívio foi acompanhado por um sentimento de humilhação. O exército alemão lutou fi rmemente até os últimos dias nos territórios belga e francês. Na retaguarda, o motim dos marinheiros de Kiel, iniciado em 3 de novembro, espalhou-se para grandes cidades, onde a insurreição, influenciada pela Revolução Russa, foi reprimida a sangue e fogo.

A revolta, no entanto, levou ao fi m da monarquia do Império Alemão e à instituição do parlamentarismo (a República de Weimar) - que por sua vez daria lugar ao Terceiro Reich nazista, em 1933. (Com AFP)