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Mesmo sem os quartéis, Novos Baianos se fazem necessários no país da loucura

JB acompanhou reencontro dos mitos em show na Arena Vitória, pequena ilhota do ES

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*por Lucas Rezende

O que se ouvia era “Fora, Temer!” com punhos em riste.

Paulinho Boca de Cantor, Moraes Moreira, Baby Consuelo, Luiz Galvão e Pepeu Gomes ainda nem tinham dado o ar da graça, no teto de um Caravan reformado, pintado com ar de aquarela e ornamentado com luzes mil – uma espécie de trio elétrico dos idos de Dodô e Osmar.

A leva de gritos contra o presidente não eleito seguiu-se por mais duas vezes até o fim da apresentação, mas o quinteto fingiu que não ouviu. O que realmente não era preciso. Tratava-se dos Novos Baianos.

Era noite de primavera na Ilha de Vitória, em plena Arena Vitória, decadária casa de shows da ilhota.

Baby não nos deixou esquecer que agora, quase 40 anos depois, é uma popstora com um pé nos cultos, pregações, adorações, testemunhos; e outro no secularismo. Nem que seus 64 anos, tingidos de cabelo roxo e trajados de saia rodada tule, afetaram a irretocável voz capaz de fazer falsetes tais quais aqueles que os generais tiveram que agüentar nos Anos de Chumbo. “A Menina Dança” é a prova dos nove.

Pepeu, com seus solos de guitarra, também não nos deixou esquecer que foi exatamente a guitarrada nos arranjos de “Acabou Chorare” – eleito o melhor álbum da história da música brasileira pela Rolling Stone – que fez do disco, em 72, ser a eterna obra-prima da indústria fonográfica que até hoje é. E um dos motivos pelos quais, lógico, estavam todos naquela noite na Arena ouvindo todo o repertório do álbum.

Paulinho Boca de Cantor, no auto de seus 70 anos, ainda é o showman que fez o Carnaval de Salvador ser o que é. Se hoje, em cima de um trio sempre tem uma voz gritando por horas, deve-se isso à Paulinho. Eternamente enternecido pelo que via à sua frente, foi ele o responsável por entoar no gogó os versos mais emblemáticos dos Novos Baianos: “Eu sou, eu sou, eu sou amor da cabeça aos pés”, em “Dê um Role”; e “Vou mostrando como sou e vou sendo como posso”, em “Mistério do Planeta” – um hino.

Morais Moreira, por sua vez, ainda toca o violão com trejeitos de um baixista. Mantém a cabeleira, os óculos, e os mesmos trajes de outrora. Um formol dos acordes. É dele a responsabilidade por trazer à baila os clássicos ufanistas do naipe de “O Samba da Minha Terra” e “Isto Aqui O Que É?” – neste caso, ele canta e toca só. Já Luiz Galvão, aos 79 anos, muito debilitado, assiste a tudo do palco, e, vira e mexe é amparado por Baby Consuelo para ir ao centro e fazer o papel mais importante: passar a mensagem da arte de viver, com paz e amor, para uma Arena Vitória abarrotada de jovens da faixa dos 20 e poucos.

Paulinho, Morais, Baby, Luiz e Pepeu, que sempre fizeram música como quem lava um prato – tamanha facilidade para o ofício -, enfrentaram coronéis, generais e majores durante a Ditadura Militar – era “uma loucura total”, lembrou Galvão. Para isso, nunca precisaram de punhos em riste, nem gritos. Optaram por espalhar o savoir faire necessário para quem passa por momentos difíceis. E aqui o passado se confunde com o presente. Baby chegou a dizer que “vivemos tempos muito doidos em que precisamos resgatar o amor”.

Ela tem razão: uma presidente eleita legitimamente caiu por um golpe de Estado, estudantes secundaristas sofreram truculência policial, congressistas andam dissipando ódio, a aposentadoria pode entrar para a hora da morte – literalmente -, e os direitos dos que estão à margem do processo estão cada vez mais sendo tolidos, como este JB informa diariamente.

Os Novos Baianos não precisaram corresponder ao grito dos presentes.

Eles já deram o recado voltando a cantar.

É a arte do encontro, meus caros.