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Cancelamento de peça de Nelson Rodrigues, em Campos, gera polêmica com prefeita

Grupo teatral diz que 'Bonitinha, mas Ordinária' foi cancelada "para não ofender Rosinha Garotinho"

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No dia 10 de agosto, o Grupo Teatral 8 de Paus havia marcado em sua agenda a apresentação da peça 'Bonitinha, mas ordinária', de Nelson Rodrigues, no Teatro Municipal Trianon, na cidade de Campos, no Norte Fluminense. A produção foi encenada pela primeira vez no XII Festival de Teatro da UFRJ, em março, e, por conta da boa nota e repercussão na ocasião, hoje circula em vários palcos do Rio de Janeiro. Mas, na semana passada, segundo os organizadores do espetáculo, a Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, da Prefeitura de Campos, informou à companhia que a apresentação havia sido cancelada. 

O líderes do Grupo procuraram a coluna, alegando que 'Bonitinha, mas ordinária' havia sido cancelada, porque "sendo a prefeita Rosinha Garotinho evangélica, a peça poderia ofendê-la". Tal justificativa levou os atores e produtores do espetáculo a causar burburinho no Facebook para fazer a denúncia chegar até a direção do teatro. "Acho digno mostrar também a essas pessoas que não vivemos mais em um regime absolutista e que não se faz política, nem muito menos arte, com a opinião ou aprovação de quem quer que seja. Nem de Deus. Quiçá de uma rosa", argumentou Rodrigo Vahia, um dos integrantes do grupo.

Procurada pela coluna, a assessoria da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, em Campos, entrou em contato com João Vicente Alvarenga, Superintendente do Teatro Municipal Trianon, e nos enviou uma nota de esclarecimento sobre a polêmica, que você confere abaixo na íntegra:

"Cumpre-nos informar que não há nenhuma verdade nas alegações do grupo teatral 8 de Paus. O fato é que, em reunião de rotina com diretores e a presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, observei que a peça 'Bonitinha, mas ordinária' apresentava inconsistência na documentação apresentada, sugerindo sua análise posterior para aproveitamento no cronograma do Departamento de Literatura da Fundação Cultural, na medida em que não havia compromisso consolidado em contrato.

A prefeita Rosinha não teve acesso à agenda de agosto do Teatro Trianon, que não se encontrava fechada, e, portanto, não se posicionou a respeito de seu conteúdo. Cabe ressaltar que a administração pública é laica e que o fato da prefeita ser evangélica não nos impediu de pontuar os atos culturais de forma múltipla, diversa e respeitosa, apoiando realizações como a do Carnaval, grupos de Jongo e Mana Chica (manifestações afroreligiosas), festas tradicionais da Igreja Católica ou eventos por esta religião promovidos, como a da Jornada Mundial da Juventude, entre tantas outras.

Para nós, tanto Nelson Rodrigues, como qualquer outra expressão do teatro, da literatura, das artes em geral, tem sua importância. Entendemos que a palavra ganha no teatro conotações múltiplas através do jogo metafórico que se instaura em cena.

Recebemos no Trianon a comédia 'Hermanoteu na terra de Godah', que conta a história de Hermanoteu, típico hebreu do ano zero, companheiro, bom pastor e obediente. Ele recebe a missão divina de guiar seu povo à terra de Godah, numa sátira à história bíblica de Moisés.  A pré-estreia de Maria do Caritó', protagonizada pela atriz Lilia Cabral, e tantas outras obras importantes e consagradas, independente de referências religiosas, ganharam espaço. Tal fato nos conduz à seguinte reflexão: o verdadeiro preconceito e a intolerância podem estar se apresentando de forma invertida.

João Vicente Alvarenga

Superintendente do Teatro Municipal Trianon/FCJOL -  Prefeitura de Campos"

[email protected]