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"Não há lugar para uma figura como Marin na CBF", diz Jandira Fehgali

Deputada e presidente da Comissão de Cultura entregou petição pedindo a saída do dirigente

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"José Maria Marin foi deputado e contribuiu com a sua posição política para a prisão de Vladimir Herzog, o que acabou resultando na sua morte. Marin elogiou o Sérgio Fleury, um dos maiores torturadores do Brasil. Não é possível que uma instituição como a CBF, mesmo que privada, que representa o futebol brasileiro, tenha no seu comando uma figura dessas. A América Latina inteira vem punindo os seus torturadores e figuras que participaram desse tipo de regime. Espero que isso tenha repercussão".

Com esta declaração enfática, a deputada federal Jandira Fehgali (PCdoB) resume suas críticas ao presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin. A deputada, presidente da Comissão de Cultura da Câmara, foi nesta segunda (01) à sede da CBF no Rio para entregar uma petição de 55 mil assinaturas pedindo a saída de Marin da presidência da entidade.

Também com ela, estavam o deputado federal Romário (PSB), presidente da Comissão de Turismo e Desporto, e Ivo Herzog, filho do jornalista Vladimir Herzog, torturado e morto na sede do Destacamento de Operações Internas – Comando Operacional de Informações do II Exército em 25 de outubro de 1975.

>> Filho de Herzog e Romário entregam petição contra Marin

Segundo Ivo Herzog, são dois discursos que complicam Marin, deputado pela Aliança Renovadora Nacional (Arena) em 1975: um no qual ele faz elogios ao Sérgio Fleury, delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) em 1975 e acusado de várias torturas, inclusive no que provocou a morte do jornalista Vladimir Herzog, criticado por Marin no outro discurso referido por Ivo, ocorrido 16 dias antes da morte do jornalista.

Jandira explicou que o ato, mais do que político, foi simbólico por reunir duas comissões da Câmara ao tratar de uma área tão importante da cultura brasileira como é o esporte:

“Além da questão cultural, a Comissão de Cultura também se envolve com a liberdade de expressão e manifestação. Nesse caso, o Marin agride as duas coisas: tanto a expressão da cultura quanto a questão democrática pelo seu histórico. E numa data histórica como é o primeiro de abril, dia em que se iniciou o golpe militar”, explicou ela.

De acordo com a deputada, partiu do filho de Vladimir Herzog, Ivo, a iniciativa para conseguir as assinaturas. No entanto, este esforço foi totalmente desrespeitado a partir do momento em que nenhum dirigente, muito menos o próprio Marin, recebeu os manifestantes na tarde de ontem. Ela critica a agressividade do presidente da CBF e indaga por que ele não prova sua inocência:

“O Ivo já disse que se o Marin tiver provas e quiser conversar, eu converso com ele. Mas essa deselegância de ninguém nos receber, isso é coisa de quem não tem o que dizer. Ele que prove na Comissão da Verdade e nas instâncias em que ele será chamado a depor. Por que ele não mostrou estas provas de que não está envolvido até agora? Mas que prove com fatos, argumentos, não com agressão ou desrespeito”, disparou Jandira.

"Marin chafurda na lama", diz Jandira

Em 13 de março, o presidente da CBF, José Maria Marin atacou seus detratores em nota oficial no site da entidade. No texto, intitulado “Desmascarando uma Falsidade”, Marin diz estar sendo vítima de “uma campanha de difamação, baseada em mentiras e deturpação de fatos do passado”. Ele ainda considera a ação como efetuada por “fruto da má-fé e irresponsabilidade de pseudos-jornalistas que lá, tal como agora, com característico ânimo criminoso, empenharam-se na desmoralização de pessoas de bem, para satisfazer maus instintos, entretendo-se em atirar, em quem os mira de cima, a lama em que chafurdam esses delinquentes.”

Jandira não se fez de rogada e atacou a autoridade moral de Marin para criticar o trabalho da imprensa:

“Nesse caso, a gente precisa ter autoridade pra criticar a imprensa também, e ele não tem. Se ele tem como provar seu desvínculo com a ditadura, que faça isso. Acho que a gente não pode, contra dados históricos, argumentos e documentos, só fazer críticas de baixo nível. A pessoa acaba chafurdando nos seus próprios argumentos, na sua própria agressão”, finaliza a deputada.  

Discurso polêmico

O discurso citado pelo filho de Vladimir Herzog como sendo uma das provas da relação de Marin com a ditadura foi feito em 1975, quando o então deputado estadual pela Arena, José Maria Marin defendeu a investigação de supostos elementos da esquerda no Canal 2, TV Cultura. Estas declarações foram feitas após o então deputado estadual da Arena Wadih Helou ter declarado em plenário que haveria "elementos de esquerda" na TV Cultura. Segundo Helou, "o Canal 2, a tudo omite, fazendo o proselitismo do comunismo, da subserviência, tornando-se, como diz o colunista Cláudio Marques, a 'Televisão Vietnã Cultura de São Paulo', paga com o dinheiro do povo, desservindo nosso governo e a nossa Pátria”.

A seguir, leia o discurso de Marin feito em 1975:

"Nobre deputado Wadih Helu, realmente o assunto levantado por V.Exa. dessa tribuna, deve merecer uma atenção toda especial não só desta Casa, mas,  principalmente, por parte do Sr. Secretário da Cultura do Estado e por parte do Sr. Governador do Estado. 

Sem adentrar no mérito da questão, causa-me estranheza quando os órgãos de imprensa do nosso Estado, de há muito tempo vêm levantando esse problema, pedindo providências aos órgãos competentes, com o que está acontecendo com o Canal 2, e não verificamos pelo menos, nenhuma palavra de esclarecimento.  

Já não se trata de divulgar o que é bom e deixar de divulgar aquilo que é mal, mas, trata-se da intranquilidade que já toma conta de São Paulo, um assunto que não é comentado apenas desta tribuna, que não é comentado apenas nos meios políticos, mas é assunto comentado em quase todos os lares de São Paulo. 

Neste aparte, nobre deputado Wadih Helu, quero chamar a atenção do Sr. Secretário da Cultura do Estado de São Paulo e do Sr. Governador do Estado, que venham a público esclarecer definitivamente essas denúncias que estão sendo levantadas  pela Imprensa de São Paulo e, de forma particular e corajosa, pelo jornalista Cláudio Marques. 

Se a maioria dessas denúncias está sendo levantada pelos vários jornais de São Paulo, basta um simples exame desse problema para verificar que não só o jornalista citado dessa tribuna vem verificando os fatos negativos, pois não se vê nada de positivo, apresenta apenas misérias, apresenta problemas, mas não apresenta soluções.  

Nessas condições, congratulamo-nos com V.Exa. pela oportunidade em levantar este problema e quero daqui neste ligeiro aparte, fazer um apelo ao Sr. Governador do Estado:  ou o jornalista está errado ou então o jornalista está certo. O que não pode continuar é essa omissão, tanto por parte do Sr. Secretário da Cultura, como do Sr. Governador.  

É preciso mais do que nunca uma providência, a fim de que a tranquilidade volte a reinar não só nesta Casa, mas, principalmente, nos lares paulistanos”.