Jornal do Brasil
ROMA - Na virada dos primeiros 50 metros, o segundo lugar, apenas três centésimos atrás do francês Frédérick Bousquet. Nos últimos 50 metros, uma arrancada espetacular na piscina do Foro Itálico assegurou o ouro dos 100m livre no Mundial de Esportes Aquáticos, em Roma, e o recorde mundial a César Cielo. Com 46s91, o paulista de Santa Bárbara d'Oeste pulverizou a marca de 47s05, a melhor da história até então, do australiano Eamon Sullivan, que não compete na capital italiana. Em menos de um ano, Cielo soma um ouro (50m livre) e um bronze (100m livre) olímpicos, além do ouro no Mundial e do recorde, conquistados agora.
Ao tocar a borda, Cielo estendeu os braços ao olhar o placar eletrônico. Socou a água. Enxugando as lágrimas, foi abraçado pelo francês Alain Bernard, que venceu a disputa dos 100m livre em Pequim-2008 e, na quinta-feira, ficou em segundo (47s12). Em maio, Bernard nadou a distância em 46s94, mas o tempo não foi homologado pela Federação Internacional de Natação (Fina) porque seu maiô, o ultratecnológico X-Glide, na época, não tinha sido autorizado. Nesta quinta-feira, Cielo e Bernard competiram com o mesmo X-Glide, liberado.
É sensacional. Em dois anos da minha carreira eu dei um salto de um nadador que tentava alguma coisa para entrar para a história disse Cielo, exausto, após a conquista. Os 100m livre são a prova mais tradicional. Não tem coisa melhor, é um sonho sendo realizado.
Desde antes da Olimpíada na capital chinesa, Cielo prometia brigar pelo recorde mundial. Neste Mundial, ele tinha dado mostras de que estava perto de alcançar o feito. No domingo, o nadador de 22 anos abriu o revezamento 4x100m livre com o tempo de 47s09, a apenas quatro centésimo do então recorde de Sullivan (47s05). A equipe brasileira terminou em quarto lugar, mas o recado de Cielo foi claro.
Nesta sexta-feira, ele volta à piscina para disputar as eliminatórias dos 50m livre, com grandes chances de conquistar outra medalha e até o recorde. Seu melhor tempo é 21s14 o recorde mundial (20s94) pertence ao francês Frédérick Bousquet, medalhista de bronze, nesta quinta, nos 100m livre, e companheiro de Cielo nos treinos em Auburn (EUA).
Ali, é você sozinho, mano a mano, sem ninguém para ajudar. Muita pressão afirmou Cielo.
Antes do ouro do paulista, o Brasil já havia subido ao pódio no Mundial de Roma com Felipe França, prata nos 50m peito, e Poliana Okimoto, bronze na maratona aquática de 5km. O país ocupa a nona posição no quadro de medalhas do Mundial, que reúne todas as modalidades aquáticas.
Perguntado em coletiva de imprensa se poderia chegar a ser tão popular no Brasil como Kaká e Ronaldinho, Cielo disse:
Não preciso ser popular se eu tiver metade do dinheiro deles. Se o Real Madrid me quiser, eu faço isso disse, rindo.
Velhos rituais
Na cerimônia de entrega de medalhas, Cielo cantou o início do Hino Nacional, mas não resistiu à emoção e terminou chorando no pódio, como já havia feito em Pequim. Antes, ele tinha repetido outro ritual: ainda no bloco de saída, antes de competir, bateu com as palmas das mãos nos ombros e no peito. Após a premiação, Cielo deu flores para a mãe, Flávia, agradeceu o pai, Cesar, e a irmã Fernanda, que estavam na arquibancada e foi aplaudido de pé, reverenciado pelo público que lotava o Foro Itálico.
Estou muito feliz, mas muito dolorido. Minhas pernas doem demais. No final, não sentia mais minhas pernas e minhas mãos. Bernard é um grande competidor. Sempre é bom competir com pessoas assim, com tanto fair-play, como ele disse o brasileiro. Nunca tinha obtido um recorde mundial. Acho que os 46s91 não são nada mal.
Em seu quarto em Auburn, onde mora e treina, Cielo tinha escrito na parede a marca que pretendia fazer neste Mundial: 46s89.
O ouro no Mundial é mais um passo inédito na trajetória deste paulista, que começou no esporte ainda quando era menino.
Busquei inspiração na vitória. Continuei a nadar, quando eu ainda era criança, porque estava ganhando. Minha primeira conquista veio quando eu tinha 8 anos, nadando uma prova dos 25m livre, num festival do Barbarense. Fiz os 25m em 18 ou 19 segundos, mas o que me inspirou a continuar nadando foi chegar em primeiro.
Judô, vôlei e, enfim, natação
O esporte entrou em seu caminho bem cedo. Experimentou o judô, depois tentou o vôlei, mas os resultados já começavam a surgir na natação, que começou a praticar por sugestão do pai. No judô, por ser muito mais alto que os meninos de sua idade lutava em categoria superior e sempre perdia.
Cansei de apanhar contou.
No Barbarense, Cielo nadou sob a supervisão do técnico Mario Francisco Sobrinho. Ainda passou pelo Clube de Campo de Piracicaba, orientado por Reinaldo Rosa. De lá, apresentado pela mãe, foi treinar com Alberto Silva, o Albertinho, do Pinheiros, que treinava Gustavo Borges. Transferiu-se para São Paulo em 2003 e nadou ao lado de Gustavo pouco mais de dois anos. A velocidade e a técnica primorosa levaram Cielo para os Estados Unidos, aos 19 anos, com uma bolsa de estudos para a Universidade de Auburn, no Alabama, onde treina desde então sob a supervisão do ex-nadador australiano Brett Hawke.
Cesar Cielo ganhou 10 títulos nos campeonatos da NCAA (o campeonato universitário dos Estados Unidos). Habituado a enfrentar expoentes do esporte como Michael Phelps e Ian Crocker nessas competições, logo após o primeiro semestre decidiu se profissionalizar e os resultados não pararam mais de aparecer. Hoje, ele é recordista das provas de velocidade no circuito da NCAA.
Nos 100 m livre, Cielo experimentou uma incrível evolução desde a última temporada. Ganhou o bronze olímpico, em Pequim-, com 47s67. Nadou a distância em 47s60 no Troféu Maria Lenk, em maio, no Rio. No Mundial de Roma, no domingo, fez 47s39 e 47s09 na abertura do revezamento 4x100m livre. E, na quinta, tornou-se o recordista mundial da prova, com o tempo de 46s91.
Foi um trabalho muito duro. Não é fácil ficar isolado nos Estados Unidos. Se pudesse, dividiria essa medalha em um milhão de pedaços, pois tem muita gente envolvida e muita gente contribuiu para esse resultado afirmou Cielo. Eu tenho que continuar fazendo o meu trabalho. Tenho que fazer o meu melhor, nadar o que eu tenho.
Bernard elogiou Cielo:
César foi mais forte e nadou mais rápido que todos nós.
E virou o rei da velocidade.