Aos 39 anos, o zagueiro Juan se prepara para encerrar a carreira. Em recuperação após romper o tendão de aquiles, o jogador do Flamengo sente na pele, no corpo e na alma as dores e delícias de mais de 20 anos como atleta profissional. Tem cada vez menos paciência para a rotina de viagens, jogos, treinos e departamento médicos. Mas, ao olhar para trás, não se arrepende de nada. Faria tudo igual se estivesse começando hoje. Tem seus motivos. Jogou pela seleção brasileira, disputou duas Copas do Mundo, brilhou na Europa e foi campeão pelo Flamengo. Realizou todos os seus sonhos de garoto.
Agora que o fim está próximo, que balanço você faz da sua carreira?
Minha carreira foi uma sequência de bons momentos. Joguei no Flamengo, na seleção brasileira, na Europa. Assinei meu primeiro contrato aos 17 anos, fui campeão, disputei Copa do Mundo. Não tenho do que reclamar. Mas, olhando para trás, vejo que tudo poderia ter sido diferente se em 2001 o Flamengo tivesse sido rebaixado no Campeonato Brasileiro. Ficaria marcado, como todos os outros jogadores, e certamente minha carreira teria tomado outro rumo. Foi depois daquele sufoco que eu deslanchei.
Você jogou dez anos na Europa e retornou ao futebol brasileiro em 2012, para o Internacional, já com 33 anos. Sentiu muita diferença?
Nem tanto. Achei que seria bem pior. Quando saí para o Bayer Leverkusen a estrutura dos clubes no Brasil ainda era amadora. Na volta, percebi logo que as coisas estavam mudando. Para melhor. Os clubes demoraram a entender que sem estrutura não se vai longe. As coisas acontecem quase que por acaso. Os que perceberam isso primeiro estão hoje bem à frente dos demais. Atualmente, até os jogadores entendem que com boas condições de trabalho a performance melhora. Hoje, o que o Flamengo oferece aos jogadores é bem semelhante ao que acontece na Europa.
Se a estrutura dos grandes clubes do Brasil está mais próxima da que se encontra na Europa, por que a qualidade do jogo aqui ainda é bem inferior, mesmo levando em conta que nossos melhores jogadores estão lá?
É simples. Devido ao calendário. Aqui quase não se treina. É jogo, recuperação e jogo. O Flamengo ano passado jogou mais de 80 partidas. Isso não existe. É um absurdo. Não tem como você preparar um time, aperfeiçoar a forma de jogar. E não tem nada a ver com os nossos treinadores.
Você teve grandes companheiros na zaga. Com qual você se entendeu melhor?
O Lúcio. Ele pode não ter sido o melhor jogador, mas certamente foi com quem mais eu me entendi. Jogamos juntos no Bayer Leverkusen, da Alemanha, e na seleção brasileira. Disputamos duas Copas juntos. A gente se completava.
E o melhor jogador? Quem foi aquele mais te ajudou a ganhar jogos e dinheiro?
Felizmente, tive a oportunidade de jogar com grandes jogadores. Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Romário, Kaká e tantos outros. Como se vê, não dá para escolher um.
Nem um gringo?
Muitos. E o melhor de todos foi o Totti. Quem já viveu em Roma sabe o que este cara representa para a cidade. Totti jogava demais, muito mesmo. Um dos grandes prazeres da minha carreira foi ter jogado tanto tempo ao lado dele. Um craque.
Na Europa é comum ver ex-jogadores dirigindo clubes, participando de alguma forma do dia a dia da instituição, do time. No Brasil o máximo que se vê são ex-jogadores treinando equipes. Tem uma explicação, um motivo?
Não sei a razão, mas sei que é um desperdício. Um ex-jogador muito identificado com um clube vai ter sempre algo a acrescentar. Serve, no mínimo, como espelho para quem está começando. Aqui não se dá valor a isso, mas lá na Europa isso é muito importante. O Gilberto Silva faz coisas para o Arsenal, o Roberto Carlos continua ligado ao Real Madrid e o Leonardo é dirigente do Milan. Sem falar no Zico, no Kashima. Eles bem poderiam estar por aqui.
Ter jogado na Europa mudou sua forma de ver e pensar o mundo?
Claro que mudou. Hoje, não tenho dúvida de que o Bayer Leverkusen foi a melhor escolha para a minha adaptação na Europa. Aprendi muito, principalmente fora de campo. Sempre carreguei o que aprendi na Alemanha comigo. Poucas vezes me senti tão respeitado. Como pessoa e como jogador. É um país espetacular.
E Roma?
O Roma foi um salto de qualidade dentro do campo. Cresci como jogador. Foram cinco temporadas maravilhosas. E Roma é uma cidade sensacional. Foi ótimo.
Alguma vez você foi vítima de racismo nos dez anos em que jogou na Europa?
Na Alemanha, nunca. Como já disse, poucas vezes me senti tão respeitado enquanto ser humano. Mas na Itália aconteceu uma vez. Engraçado que foi no meu quinto e último ano lá. E num jogo contra o Lazio, clássico que mexe com Roma. Neste dia, sempre que eu pegava na bola ouvia o som de macaco vindo do lado da torcida do Lazio. É uma sensação muito desagradável.
E no Brasil, já passou por alguma situação delicada em razão da cor da sua pele?
No Brasil existe preconceito contra jogador de futebol. Muita vezes, a culpa é do próprio jogador, pelo seu comportamento. E falo isso sem querer ser moralista. Você se faz respeitar por sua compostura.
O movimento Bom Senso, que lutava pelos direitos dos jogadores, não foi adiante aqui no Brasil. Por que aqui a classe é tão desunida?
Mesmo não tendo ido adiante foi importante. Tem muita gente boa aqui, gente que pode ajudar a classe, principalmente os jogadores menos favorecidos. Acho que o fato de nossos grandes jogadores atuarem todos fora do país prejudica qualquer movimento da classe. Grandes nomes ajudam a dar visibilidade. Por jogarem na Europa, os melhores acabam não se envolvendo. Não sentem na pele os problemas. Na Espanha, por exemplo, os jogadores têm muita força.
Você renovou com o Flamengo até o fim do Carioca de 2019. Já deu?
Com a idade, a rotina de jogador é bem mais desgastante. Você se machuca mais, toda hora aparece um problema. Até dor nas costas desanima. Mas eu penso em continuar no futebol. Só não sei ainda fazendo o quê.
Olhando agora, qual foi grande momento de sua carreira?
Ter disputado duas Copas do Mundo e ainda ter feito um gol. E também ter sido campeão pelo Flamengo.