O que pode esperar um candidato, sendo eleito presidente da República, sem que a ele se tenha creditado o direito de ignorar a imensidão dos problemas que vai herdar? A indagação, longe de ser mera curiosidade, faz sentido ao se exigir que o postulante ao voto não queira considerar-se eximido das responsabilidades que persegue. É preciso apresentar ao eleitor não apenas um conjunto de boas intenções, porque esSas são fartas na bagagem de todos que postulam a aprovação; o que cabe apresentar é o equacionamento objetivo das soluções para os problemas. Não basta apregoar a intenção de solucioná-los. Mas como solucioná-los? Ainda mais na atual conjuntura, caracterizada por dificuldades múltiplas. Discursos de senhoras e senhores de boas famílias não serão suficientes para interromper essa marcha de chão batido em que caminha o pais, rumo a graves impasses.
Corre, à “bocca chiusa”, como dizem os bons jornaleiros italianos, que até familiares de alguns candidatos assustam-se com os obstáculos no horizonte do Planalto. Por isso, na intimidade e nos círculos amigos mais próximos, há um temor ante o volume e a dimensão da herança que o eleito haverá de receber no primeiro dia de janeiro. O preço da aventura será imenso, porque o quadro de desafios que o atual governo não pôde superar, ou que ele próprio criou e agravou, já prenuncia esforços ingentes, de forma alguma de fácil superação. Às famílias e amigos, se efetivamente preocupados, cabe, de fato, esse direito, ainda que, por dever de lealdade, trabalharão com afinco para verem a vitórias dos seus. Não querer a derrota, mas temer a vitória. Um sentimento singular.
Nada de novo. A biografia dos estadistas, sejam eles presidentes ou governadores, é rica nessa tendência à autoflagelação, sendo numerosos os casos em que homens, econômica e financeiramente independentes, eleitos, veem-se na contingência de, estando no cargo, se associarem ou serem complacentes com grupos que corrompem e promovem tráfico de influência. Quem vence é obrigado a ceder para poder governar. Não rouba, mas não pode impedir que outros roubem. Os partidos que lhe dão apoio impõem ministros, às vezes até comprovadamente corruptos, e assinam o termo de posse com a mão suja de dinheiro do crime. O presidente, sujeito à governabilidade é obrigado a ouvi-los e acatá-los. Traça-se tal panorama pessimista, mas a culpa é da realidade. De ninguém mais.
Então, o que leva um homem honrado a sujeitar-se a isso? Logo aquele que deixou as águas costeiras da vida doméstica e profissional para se lançar à tempestade do mandato. Já não lhe satisfará o desejo sincero de fazer o bem, porque muitos vão ser suficientemente fortes para exigir o mal. Para consolo, garante o psiquiatra Steve Sieczenik, que medicou e assistiu três governantes dos Estados Unidos, que a grande maioria dos políticos é formada de homens honestos que chegam à presidência; o problema é que tendem a terminar clinicamente deprimidos, depois de sentir que não têm o poder que desejavam. Voltam para casa com um monte de frustrações. Mesmo antes deles, as famílias ficam sabendo disso. Nietzsche atribuía essa aventura à sede incontrolável de poder. Nem a fome pode superá-la.
Dito e refletido, o melhor que se terá saber dos candidatos, na campanha que começa, é com que disposição, com que recursos, com qual sabedoria vão entrar nessa jornada, invariavelmente acidentada e hostil. E que se mostrem sinceros, sem rodeios, sem frases de efeito. Como haverá de escapar de poderosos bandidos, se deles haverá de precisar, alimentando uma base parlamentar pantagruélica?
Detalhe que não escapa é que na batalha seguinte não faltará a presença de veteranos, de cabeças enevadas, conhecedores do desafios a enfrentar. Incautos, jamais. Para esses, alguém cita o poeta Amado Nervo: é mais fácil encontrar mulher resignada a envelhecer do que um político a sair de cena.