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Dúvidas para as urnas

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Estando a apenas quatro meses de dois processos eleitorais, o majoritário e o proporcional, o cidadão brasileiro sente-se com amplo direito de temer as consequências das escolhas que vão se definir em outubro; porque, principalmente se tiver experiência passada com as urnas, saberá que, além de restar tão pouco tempo para uma campanha objetiva e esclarecedora sobre a competência dos candidatos, nenhum deles pode dizer-se perfeitamente definido. Somam-se, ainda, algumas outras razões para tornar mais robustos os temores. Em disputas anteriores, nesta altura do calendário, as peças estavam definidas, salvo os imprevistos, que não marcam hora para chegar. Hoje, o máximo a que se permite é saber quem não será.

Desta vez há outras particularidades a figurar na pauta do eleitorado, tendo ele maior ou menor capacidade para impor rumos à política nacional. Há que se preocupar, por exemplo, com a dimensão da influência do Palácio do Planalto na conduta do cidadão votante, sabido que, em antigas disputas, o presidente influenciava decisivamente nos números, para ajudar ou prejudicar as candidaturas. Para este próximo embate, sinaliza-se como modesta a influência do presidente Temer, o que não é possível negar; tanto assim, que ele preferiu não se aventurar na caminhada para um segundo mandato.

Indagações também não faltam sobre incertezas que rondam o futuro do MDB, que divide com o PT a maior força partidária do país; legenda desgastada e arranhada na sucessão de crises e desencontros. Pois, exatamente nesta fase de ventos pouco propícios, os emedebistas tendem a disputar com candidato próprio. Logo eles, que preferiram participar de alianças poderosas, para viver com o poder, sem os ônus do poder. Revelou-se o MDB, nos últimos anos, como a versão política da Pasárgada: amigo do rei, deitado na cama que escolheu. Volta-se agora contra a vocação adotada, e no exato momento em que se combaliu. Como seus eleitores vão se comportar frente a mudança tão radical? Quando se volta para o Partido dos Trabalhadores, emerge outra dúvida no painel político, com a qual seu eleitorado terá de conviver, sem que seja possível, no presente momento, diagramar a extensão de um ineditismo: o que fazer e como orientar o voto – em quem? - estando preso a principal expressão do partido e do populismo. Ele mesmo, que vinha liderando as primeiras pesquisas de intenção. Como reagir nas urnas frente a fato tão singular? O que deve ponderar na consciência: o líder das pesquisas condenado por corrupção? O homem que simboliza a reação ao governo desgastado, que ele ajudou a criar. Ou seria uma liderança vítima de armações?

Os eleitores das duas maiores legendas têm todo o direito de estarem perturbados diante dos fatos.

É longa a lista das indagações, sem que seja permitido impedir que entre elas se guarde espaço saliente à tendência para crescente apatia dos cidadãos em relação à política. Há um clima de desesperança, que se abate sobre os candidatos, venham eles de onde vierem.

Necessário acrescentar, ainda sob a inconveniência da repetição: nos momentos mais delicados, como o que hoje estamos sentindo na pele, sobressai o perigo de surgimento dos falsos heróis, pregoeiros de soluções audaciosas, das façanhas que jamais seriam capazes de honrar. Pobre de um povo que precisa de um salvador. Pois, como os problemas se aprofundaram muito, o risco desses messiânicos de oportunidade é sempre maior. Têm certo poder hipnótico: agem quando o eleitor, não suficientemente preparado, decide jogar todas as fichas no desastre. Depois de a cidadania jogar a toalha.

Tratando-se da eleição de novos deputados e senadores, vem outra indagação, para figurar como uma das contas desse rosário de incertezas arrastadas no calendário, rumo às convenções que começam neste mês. Terão os partidos, depois de tantas decepções, suficiente coragem para consentir a candidatura de velhos parlamentares viciados, gente que carrega altas suspeitas, hóspede da Lava Jato? Será possível?