Com o acordo firmado na última quarta-feira (30) entre países que integram a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) para a redução da produção, cresce a expectativa para novos investimentos no setor, impulsionados pela alta das ações das empresas petroleiras que se beneficiarão com a elevação dos preços da commodity. Contudo, um cenário de cautela ainda prevalece no mercado, que aguarda os primeiros efeitos do acordo.
“O mais importante não é o efeito direto sobre o preço e sim sobre as expectativas do mercado sobre os preços futuros. Isso cria uma melhora nas ações das empresas petroleiras. Então, em longo prazo, isso viabiliza novos investimentos em produção e exploração”, avaliou Marcelo Colomer, do instituto de economia da UFRJ. Ele acrescenta: “As indústrias reduziram muito suas atividades por conta do preço baixo e pelas expectativas de preços mais baixos. As empresas começam, agora, a retomar uma serie de campanhas de exploração”.
O acordo de redução da produção firmado em Viena, na Áustria, durante a 171ª reunião da Opep, foi o primeiro desde 2008. Ele vinha sendo costurado há meses, como uma forma de estancar a vertiginosa queda do preço do petróleo no mundo, em função do excesso de oferta. Em janeiro deste ano, o preço do barril chegou a ser cotado abaixo dos US$ 30.
“Há dois lados para o Brasil: para a Petrobras, essa estabilidade ou pequeno aumento do preço do petróleo é bom porque pode manter ou aumentar a receita [arrecadação]. Hoje pelo lado da demanda - que poderia ser negativa como foi no passado, quando o Brasil precisava importar a gasolina -, seria ruim porque poderia afetar a balança comercial. Mas como estamos num momento de crise, a demanda tem conseguido suprir a oferta nacional. O outro lado positivo seria a melhora da arrecadação de royalties nesses produtores de petróleo, como é o caso do Rio de Janeiro, por exemplo”, disse Marcelo Colomer.
Contudo, para o presidente da Petrobras, Pedro Parente, o acordo da Opep deve ser visto com “muito cuidado”, uma vez que a forte alta recente dos preços do petróleo decorrente do pacto pode não se manter. Segundo Parente, o cenário de preços vai depender da produção de petróleo de xisto nos Estados Unidos.
Ele avaliou que os produtores norte-americanos de óleo não convencional podem aumentar a extração na esteira do acordo da Opep, levando novamente os preços de volta para um patamar entre 40 e 50 dólares o barril.
O Ministério de Minas e Energia, por sua vez, apenas informou que “o governo não interfere no ritmo de produção das empresas petrolíferas instaladas no país”. Em uma reunião da Opep em outubro, o secretário nacional do Petróleo e representante do Brasil como convidado, Márcio Félix, disse que o país era contrário à diminuição da produção.
Para Alexandre Szklo, da COPPE, as consequências para o Brasil não têm grande peso. Para o economista, os benefícios diretos ocorrerão em curto prazo, enquanto a longo prazo, a mudança mais significativa está na credibilidade da coesão da Opep.
“Do ponto de vista do Brasil, não há consequências fortes. A consequência mais direta está no momento em que a Opep demonstra certo grau de coesão depois de muitos anos. Os produtores e acionistas entendem que, com isso, a queda de preço possa ser retardada. Em curto prazo, isso pode valorizar a Petrobras, é claro. Mas não é um resultado que poderia gerar um problema de inflação ou custo. Isso aconteceu na década passada, quando o preço galopou, mas não por causa da Opep, e sim porque a demanda estava aquecida”, acrescentou Alexandre.
O acordo entrará em vigor em 1º de janeiro de 2017, quando os membros da Opep reduzirão a extração diária de petróleo, em um total de 1,2 milhão de barris. O pacto será renovável a cada seis meses. E embora os participantes não falem explicitamente, a redução da oferta do produto é uma forma de forçar a alta dos preços da commodity. Alexandre destaca que o acordo se estabelece mais como forma de defesa, do que como forma de investimento, diante do panorama econômico mundial.
“O problema todo é que essa cota surge num momento que a gente tem o mercado desaquecido, e mesmo a economia mundial passando por turbulência: a própria eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, os movimentos nacionalistas na Europa, ou nos países emergentes, a China desacelerando e o Brasil caindo. É difícil quando você estabelece cotas para mirar o panorama político econômico. Então na verdade é mais para defender do que para atingir picos”, analisou Szklo.
Luiz Carlos Prado, do instituto de economia da UFRJ, fez coro à Alexandre: “Do ponto de vista mundial, não acho que seja diferente de outros momentos. É muito mais uma reação à queda dos preços”, disse Prado.
Atualmente, os países-membros da Opep são Argélia, Angola, Equador, Irã, Iraque, Kuwait, Líbia, Nigéria, Gabão, Indonésia, Catar, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Venezuela. Entretanto, instâncias oficiais de contato com representantes de países que não pertencem ao grupo já foram criadas pela organização, que viu necessidade de incluir grandes países produtores, como a Rússia.
Em nota oficial, o ministro de Energia russo, Alexander Novak, confirmou que seu país deixará de produzir 300 mil barris diários ainda no primeiro semestre de 2017. Segundo Novak, a iniciativa voluntária é uma contribuição russa para a concretização dos planos dos demais produtores, que esperam limitar a produção diária ao máximo de 32,5 milhões de barris/dia. Essa cota já tinha sido estabelecida em setembro deste ano pelos membros da Opep, no chamado Acordo de Argel.
“Este acordo é um passo muito importante para a indústria de petróleo global, destinado a restabelecer o saudável equilíbrio entre oferta e demanda e manter a atração de investimento da indústria no longo prazo”, disse o ministro.
“EUA, Rússia e Arábia Saudita são as três maiores produtoras de Petróleo do mundo. Isso faz com que, na verdade, você tenha a adesão do segundo maior produtor de petróleo, que é a Rússia. Existe um preço de petróleo que é necessário a um país que é dependente dele, que é o caso da Arábia, por exemplo. E para tentar defender um preço, que já está ruim para os países com maior custo de produção, como o Brasil, foi preciso uma redução na produção”, disse Alexandre Szklo.
O ministro da Energia, Indústria e Recursos Minerais da Arábia Saudita, Khalid Al-Falih, declarou estar satisfeito com o acordo e confirmou que seu país começará a reduzir a extração no começo de 2017, por tempo indeterminado. Em sua conta no Twitter, Al-Falih destacou a adesão da Rússia e outros países produtores que não integram a Opep.
“A Arábia Saudita vinha sancionando um preço mais baixo. O principal produtor não estava aceitando reduzir o preço. Uma das explicações possíveis era a rivalidade com o Irã e com a própria Rússia. Mas ela mesma passou a perder muito no decorrer desse tempo”, pontuou Luiz Carlos Prado.
Szklo destaca que o país funciona como um swing [responsável pelo ajuste do mercado] nas operações da Opep, tendo grande peso nas decisões do grupo, já que a Arábia é um dos maiores produtores e dependentes da commodity.
“O problema é que nos últimos anos, ela vinha recusando a ideia de operar como swing. Ela tem um papel de influenciar tanto o mercado quanto a posição da Opep. E historicamente como produtor líder, ela não fechava a cota da Opep. Ao mesmo tempo havia o problema da volta do Irã no mercado de petróleo, após o embargo, e o problema Irã versus Arábia. O que se conseguiu? Que o Irã aceitasse a cota. Senão fosse por isso, a Arábia não aderiria”, acrescentou Alexandre.
O assunto também foi alvo de comentários em outros países. O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, classificou a redução na extração de petróleo como “o nascimento de uma nova geopolítica petrolífera e econômica”.
Já o governo iraniano celebrou, em nota, a decisão dos membros da Opep de reduzir a produção, “sendo que a participação iraniana totalizará 3,9 milhões de barris diários”. Em expansão gradual, graças ao fim das sanções contra o seu programa nuclear, a produção petrolífera iraniana já havia ultrapassado 3,8 milhões de barris diários em junho deste ano. No texto, o governo iraniano reforçou a expectativa de que o barril volte a alcançar valores superiores à US$ 50.
O presidente do Equador, Rafael Correa, usou o Twitter para comentar a decisão e lembrou que o país voltou a ser admitido no grupo dos maiores produtores de petróleo em 2007. Ele comemorou a alta dos preços do barril que subiram mais de 10% logo após a confirmação do anúncio.
A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) foi criada em 1960 a fim de coordenar a política petrolífera dos países membros, orientando a oferta de petróleo no mercado internacional, para defender os interesses (que não são apenas econômicos) dos produtores sobre os preços.
* do projeto de estágio do JB