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Dúvidas sobre capacidade do Deutsche Bank de honrar dívidas sacodem mercado

Após China e petróleo, agora bancos europeus são os novos vilões da economia global

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A queda do preço do petróleo e a desaceleração da economia chinesa parecem não ser os únicos vilões da economia mundial. Nos últimos dias, um novo e perigoso personagem tem levado pânico ao mercado: as dúvidas com relação à saúde financeira dos bancos europeus, principalmente frente à queda do crescimento global.

As Bolsas europeias e americanas fecharam em queda na segunda-feira (8), puxadas principalmente pela desvalorização das ações dos bancos. Na terça-feira (9) houve nova queda, a sétima seguida de perdas para as ações europeias — o que representou a pior perda semanal desde 1998.

O Jornal do Brasil já havia alertado, em junho de 2015, sobre a crescente crise na Europa e seus riscos.

>> O desemprego no Brasil e na Europa: onde mesmo está a crise?

Em janeiro desde ano, o JB também destacou o momento econômico do continente. 

>> A crise no mundo

Analistas apontam que os investidores estão começando a perceber que os bancos não são tão sólidos como se imaginava. O risco vem da sinalização de que políticas de afrouxamento monetário – como a adoção de taxa de juros negativa pelo Japão na última semana de janeiro – poderão ganhar força, com reflexo negativo sobre as margens dos bancos.

Na esteira deste temor está um dos principais bancos da Europa: o Deutsche Bank. Na segunda-feira, suas ações caíram nada menos que 9,5%, enquanto que na terça-feira, a queda foi de 4,3%. Investidores temem que o tradicional banco não consiga honrar o pagamento de títulos. UniCredit, Credit Suisse, UBS e Barclays também tiveram recentemente quedas acentuadas.

Numa carta enviada aos funcionários e numa breve declaração na segunda-feira, o Deutsche Bank tentou tranquilizar os investidores, referindo que tem capital mais do que suficiente para fazer face ao pagamento da dívida de maior risco em 2016 e 2017. Em 2016, a capacidade seria de pagar cerca de 1 bilhão de euros, o suficiente para cobrir os 350 milhões de euros em cupons Tier 1 adicionais com vencimento em abril. A estimativa da capacidade de pagamento em 2017 é de cerca de 4,3 bilhões de euros.

Um executivo de uma das mais importantes de companhias dos Estados Unidos está com processo junto ao Deutsche Bank, em função de um prejuízo de mais de um milhão de dólares devido ao possível calote. E este é apenas um dos exemplos de pesadas dívidas que o banco alemão possui.

O recente pronunciamento do CEO do Deutsche Bank, John Cryan, tentando acalmar os ânimos do mercado é uma prova clara da preocupação com a situação do banco. Afinal, uma possível crise na importante instituição financeira teria um efeito dominó desastroso na poderosa Alemanha e, consequentemente, na Europa e no mundo.

Palestra de gerente-geral do Banco de Compensações Internacionais na London School analisa momento econômico global

Diante do desaquecimento global e do temor de uma grave e iminente crise, o gerente-geral do Banco de Compensações Internacionais (BIS), Jaime Caruana, deu uma palestra na última sexta-feira (5), na London School of Economics and Political Science, na qual analisa o momento econômico do mundo.

Caruana destacou que, em dezembro, o BIS deu destaque à “calma incomum” dos mercados financeiros no “Quartely Review”. "Assim que entramos em 2016, a calma incomum deu lugar a um início de ano turbulento no mercado financeiro. A economia global agora se encontra no centro de três maiores aspectos (desenvolvimentos) econômicos. O primeiro é o crescente desapontamento e as revisões pessimistas das projeções, especialmente nas economias emergentes; a segunda é a grande mudança nas taxas de câmbio, principalmente nos mercados emergentes perante o dólar; e a terceira é a forte queda nos preços das commodities, atingindo um forte número de países exportadores de commodities, mas ao mesmo tempo possibilitando dividendos positivos para outras economias."

Caruana prosseguiu afirmando: 

"Esses três tópicos podem parecer desconectados. De fato, existe uma tendência nos comentários sobre a economia global para vê-los como choques externos que surgem do nada e como turbulências externas que atingem economias locais. 

No entanto, quando damos um passo atrás e olhamos o cenário geral, começa a ficar mais claro que esses tópicos estão interligados. Eles compartilham fatores em comum. Mais que choques externos, eles são manifestações de uma realinhamento de forças econômicas e financeiras associadas a uma mudança antecipada das forças monetárias. 

Como tal, os desenvolvimentos recentes são parte de um filme longo, que requer visão global para detectar as vulnerabilidades que enfrentam o mercado financeiro e a economia global. (...) gostaria de explorar alguns aspectos dessa visão de longo prazo que foca na convergência, em uma forma simplificada.

Escolher uma visão de longo prazo nos permite entender a importância do fenômeno da lentidão e da evolução cumulativa de estoques. Nós não podemos esquecer o ditado: “as reservas importam, não apenas a sua circulação”. De fato, um título alternativo para a minha palestra poderia ser: “São os estoques (as reservas, o capital), e não os impactos”.

Provavelmente, os mercados financeiros estão tão conturbados nesse início de ano porque começamos 2016 com uma larga provisão no estoque de vulnerabilidades da economia global. As políticas de intervenção que visam os sintomas sem visar o que está por trás das vulnerabilidades podem apenas servir como paliativos, que empurram a turbulência para o dia seguinte, enquanto o estoque de vulnerabilidades vai crescendo ainda mais.

Um exemplo claro é o estoque de débito. O débito total da economia global, incluindo débitos públicos, está crescendo significativamente desde a crise de 2007. A dívida privada tem sido reduzida em alguns países, como Irlanda, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos e outros. Todavia, a dívida pública tem crescido muito nas economias do primeiro mundo e a dívida privada tem crescido nas economias emergentes e em algumas economias avançadas que não se afetaram muito com a crise financeira de 2008."

Caruana prosseguiu: "Apesar do ambiente desafiador, pretendo mandar uma mensagem positiva. Essas transições e realinhamentos inevitavelmente trazem um desconforto a curto prazo nos mercados financeiros. Eles também provocam riscos crescentes. Mas dependendo das políticas em resposta, eles podem permitir um crescimento renovado e sólido em economias do primeiro mundo e em países emergentes chaves. Isso poderá ocorrer se eles tiverem uma oportunidade para escolher o caminho necessário para reequilibrar e normalizar a economia global. Existem boas razões para permanecer positivamente sobre o longo caminho para a economia global mesmo se não subestimarmos os riscos a frente: uma política econômica mais equilibrada vai ser decisiva  e o caminho vai ser turbulento."

Dívida nos mercados emergentes

Sobre mercados emergentes, Caruana analisou: "O crescimento da dívida nas economias emergentes tem sido dramática. (...) O crescimento da trajetória nas economias emergentes tem sido muito íngreme. Desde 2009, o nível médio do crédito privado em proporção do PIB, tem crescido por volta de 75% para 125%.

O leve declínio da dívida do setor privado não-financeiro das economias de primeiro mundo esconde diferença significante entre os países. Entre as economias do G20, duas tiveram diminuído seus dívidas privadas por volta de 20% do PIB ou mais, enquanto sete países cresceram duas dívidas por 20% do PIB ou mais.

(...) A dívida de empresas não-financeiras no mercado de economias emergentes tem crescido rapidamente, ultrapassou as economias avançadas, em relação ao PIB. Desde então, a dívida dos países emergentes na proporção ao PIB passou a frente das economias avançadas ainda mais. 

Mas e em relação aos ativos financiados com essa acelerada emissão da dívida corporativa de países emergentes? No nível individual, nós examinamos que a afirmação financeira de 280 empresas de países emergentes que tem emitido títulos no mercado de débitos internacional e analisadas em mais detalhes de sua influência. 

(...) A influência empresarial nas economias emergentes tem crescido no geral. Isso não reflete o crescimento da dívida dos produtores de commodities, como vemos no fato que a influência das empresas produtoras de bem não-transacionáveis tem crescido mais que aqueles transacionáveis (painel central). Além disso, o crescimento do poder de alavancar é mais marcado no segmento mais endividado. Isso é provavelmente um segmento de avaliações mais baixas.

A influência crescente seria menos que uma preocupação se a dívida fosse acostumada a financiar investimentos produtivos e com lucro. No entanto, a capacidade de lucro de empresas não-financeiras de países emergentes tem caído. Tradicionalmente, companhias emergentes tem sido mais lucráveis que seus pares em economias desenvolvidas, mas isso não é regra. A capacidade de lucro de empresas emergentes vem caindo nos últimos anos e tem caído abaixo que a de empresas de países desenvolvidos. 

Deveríamos ficar preocupados com esse crescimento?

Nós sabemos que algumas dívidas podem fornecer alguns benefícios: permitem suavização do consumo e equilibram o choque de procura pela realocação de despesas ao longo do tempo, e permite que empresas invistam mais rápido que o seu dinheiro permitiria. Entretanto, a realidade é mais complexa. Nós não temos visto que o investimento real e as atividades de risco tem focado mais nos mercados financeiros. Aliás, nós temos aprendido que o crescimento de crédito rápido cria vulnerabilidades  e pode culminar em crises."

E Caruana conclui: 

"A necessidade de se ter uma combinação mais balanceada das políticas. A política monetária vem sendo sobrecarregada já há muito tempo. Uma perspectiva de longo termo significa prestar mais atenção aos empecilhos ao crescimento que se encontram mais “entrincheirados”, fatores que podem atuar de forma lenta, mas cujos efeitos se acumulam com o tempo.  Em particular, nós podemos mencionar balanços econômicos debilitados, o desenvolvimento de instabilidades financeiras e assignação deficiente de recursos, que ameaçam o aumento da produtividade. Esses obstáculos deveriam ser realmente esperados, mas não deveriam ser um motivo para atrasar a normalização. 

A necessidade de se conseguir reconhecer e internalizar a importância de excedentes internacionais. O princípio de manter a casa em ordem é necessário, mas não é suficiente. Os agentes políticos e econômicos terão que confiar em sua própria perspicácia e em intervenções capacitadas para mitigar as possibilidades de efeitos de contágio que devem acompanhar a perda de influência. Uma cooperação dos bancos centrais será mais importante do que nunca."