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Ipea: Brasil passa por momento mais difícil de ajuste na economia

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A Carta de Conjuntura número 27, divulgada nesta terça-feira pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que a queda da atividade econômica, a piora do desemprego e a pressão inflacionária em razão do reajuste de preços administrados – tarifas de serviços públicos – são custos do ajuste fiscal promovido pelo governo federal, cujos benefícios só deverão ser sentidos no médio e longo prazos. "A economia brasileira atravessa um momento difícil, em que praticamente todos os principais indicadores vêm mostrando resultados negativos e sem evidências de mudança de tendência no curto prazo", diz o Ipea. 

"Este quadro é consubstanciado na queda do PIB observada no primeiro trimestre do ano ? -0,2% em relação ao trimestre anterior e -1,6% na comparação com o primeiro do ano passado – e em diversos indicadores referentes aos meses de abril e maio que sinalizam nova queda do PIB no segundo trimestre. Esses números reforçam a tendência de enfraquecimento da atividade que já se observava ao longo de 2014 e que foi aprofundada pelas medidas de política econômica adotadas neste início de ano: contenção de gastos públicos, aumentos de impostos, aumento dos juros, restrições ao crédito e reajuste de preços administrados. Ao lado da desvalorização da taxa de câmbio, essas medidas vão no sentido de efetuar os três grandes ajustes requeridos para reequilibrar a economia e propiciar uma trajetória de crescimento sustentado: o ajuste fiscal, a redução da inflação – que contempla também uma correção de preços relativos – e a redução do déficit em transações correntes", acrescenta o Instituto. 

De acordo com o Ipea, é possível que o país esteja atravessando o momento mais difícil do processo de ajuste, em que as medidas corretivas mostram seus efeitos sobre a atividade econômica, mas ainda não há resultados positivos palpáveis que permitam visualizar os benefícios que delas advirão. 

Consumo das famílias

O consumo das famílias teve, no primeiro trimestre, o pior desempenho desde 2003, com queda de 0,9% em relação ao mesmo período de 2014, ao lado de uma contração de 1,5% do consumo do governo e de 7,8% dos investimentos. Neste último caso, a propósito, a contração acumulada dos últimos quatro trimestres chega a 6,9% ? pressionada, inclusive, pela revisão para baixo dos investimentos da Petrobras. Do lado da oferta, a indústria sofreu retração de 0,3% na série dessazonalizada no primeiro trimestre deste ano e de 3,0% em relação ao primeiro trimestre do ano passado. O resultado não foi pior em virtude do ótimo desempenho da indústria extrativa mineral, que, ajudada por incrementos consideráveis na produção doméstica de petróleo a partir de meados do ano passado, cresceu 12,8% na comparação interanual e acumula alta de 10,3% em quatro trimestres. 

A indústria de transformação teve retração de 7,0% no trimestre e acumula queda de 5,6% em quatro trimestres. Já o setor de serviços, que vinha sendo um pilar de sustentação da atividade nos últimos anos, teve recuo de 1,2% no primeiro trimestre, a pior variação da série histórica iniciada em 1996. Mais ainda do que os números do PIB, o quadro atual incomoda pela combinação de maior desemprego e maior inflação. 

Desemprego

A taxa de desemprego medida pela Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE (PME) aumentou um ponto percentual nos quatro primeiros meses deste ano em relação ao mesmo período de 2014, período marcado ainda por destruição líquida de postos de trabalho no mercado formal e pela primeira queda do rendimento médio real do trabalho em muitos anos. A inflação medida pelo IPCA teve alta de 8,5% nos 12 meses até maio, a taxa mais elevada em mais de dez anos, refletindo diretamente a forte correção dos preços administrados, como energia elétrica e combustíveis, e uma variação ainda persistentemente elevada nos serviços. 

"Há que se ter em conta que as medidas de ajuste incidiram sobre uma economia que já se mostrava enfraquecida no ano passado, quando diversos elementos negativos já atuavam: inflação em alta, aumento de juros, demanda externa fraca, queda de preços de commodities, desvalorização do câmbio, menor geração de empregos, nível elevado de estoques na indústria e queda generalizada dos níveis de confiança de consumidores e empresários ? além de nítidas restrições no lado da oferta, como o aumento do custo unitário do trabalho, e a incerteza sobre a disponibilidade de energia", diz o Ipea. 

Os investimentos foram o primeiro componente da demanda a perder fôlego. Na série dessazonalizada, a formação bruta de capital fixo já mostrava queda desde o terceiro trimestre de 2013, movimento que ganhou aceleração ao longo de 2014 e início de 2015. O enfraquecimento adicional da demanda doméstica, associado às incertezas no quadro político e aos níveis historicamente baixos dos índices de confiança dos empresários – não apenas na indústria, mas também nos serviços, no comércio e na construção – tornaram o quadro ainda mais difícil neste ano, e não sugerem recuperação dos investimentos no curto prazo. Por sua vez, o consumo, que ajudou a sustentar o crescimento da economia de forma contínua por mais de dez anos, vem reagindo negativamente à piora do trinômio emprego-renda-crédito. Por fim, a demanda externa também não vem oferecendo sustentação à economia brasileira. 

O quantum do comércio mundial vem crescendo mais lentamente que o PIB mundial (fenômeno pouco comum, diga-se) e o valor dos fluxos de comércio está em queda, não apenas pela expressiva retração dos preços das commodities, mas também pela queda dos preços médios de bens manufaturados. Como consequência, as exportações tiveram uma retração da ordem de 20% do ano passado para cá, ainda que o efeito líquido sobre o PIB venha sendo atenuado por uma retração das importações da mesma magnitude. Diante desse quadro, a prioridade da política econômica tem sido o encaminhamento dos “três ajustes”, não como fins em si mesmos, mas como requisitos fundamentais para corrigir desequilíbrios gestados nos últimos anos e, com isto, abrir espaço a um novo ciclo de expansão em bases mais sólidas. 

"Na área fiscal, é indiscutível o esforço que vem sendo feito pelo governo federal em ajustar as contas públicas, evidenciado não apenas em medidas de caráter mais emergencial, como a contenção das despesas discricionárias– os investimentos federais tiveram redução real da ordem de 35% no primeiro quadrimestre ?, mas também na proposição e implementação de diversas medidas de caráter mais permanente. Essas medidas visam aumentar a arrecadação por meio da elevação de alíquotas e da ampliação de bases de incidência de impostos, inclusive com a reversão de diversas desonerações concedidas nos anos anteriores, e atenuar a taxa de crescimento das transferências às famílias, por meio de ajustes nas regras de concessão do seguro-desemprego, do abono salarial, do seguro defeso e das pensões por morte – benefícios que têm em comum o fato de terem crescido a taxas muito rápidas na última década", prossegue. 

Algumas destas medidas já estão em vigor, principalmente aquelas relacionadas a aumentos de alíquotas de impostos, e outras ainda estão em processo de aprovação pelo Congresso Nacional. Os resultados dos primeiros meses do ano já sinalizam uma clara reversão da tendência de deterioração dos superávits primários que se observou ao longo de 2014, embora ainda apresentem números piores do que os observados no início de 2014. É provável que o resultado acumulado em 12 meses do governo central comece a melhorar efetivamente a partir de maio, quando resultados negativos em 2014 comecem a ser substituídos por números mais positivos em 2015. 

Austeridade

O compromisso com a austeridade foi reforçado pelo Decreto nº 8.456, de 22 de maio de 2015, que estabeleceu um contingenciamento de recursos de R$ 69,9 bilhões no orçamento deste ano, com vistas ao cumprimento da meta de superávit primário de R$ 66,3 bilhões para o setor púbico consolidado em 2015 – sendo R$ 55 bilhões referentes ao governo central. Ainda assim, o alcance da meta para 2015 não está garantido, em virtude do fraco desempenho apresentado pelas receitas. O orçamento prevê um aumento real de 5,4% na receita federal total no ano, mas no período janeiro-abril a receita sofreu queda de 6,0%, reflexo direto da atividade econômica fraca e ainda não contando com os plenos benefícios das majorações de impostos. Receitas de concessões e outras receitas extraordinárias contribuiriam para reforçar o caixa do governo, mas sua realização é ainda incerta.