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Brasil precisa romper ciclo que escraviza maioria, alerta presidente do Ipea

Para Jessé de Souza, classes não devem medidas apenas pelo acesso ao consumo

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As classes sociais brasileiras não podem ser medidas apenas pelo acesso ao consumo, é preciso uma análise mais ampla. Além disso, o país tem que interromper o ciclo vicioso que escraviza a maioria da população. A análise é do presidente do Ipea, Jessé Souza, que participou nesta terça-feira (12) do 1° Painel do 27° Fórum Nacional, no Rio de Janeiro. Ele apresentou uma síntese do estudo do instituto, na fase final de formulação, “Uma radiografia do Brasil Moderno, onde estamos e para onde podemos ir”, que busca oferecer um retrato inédito da população brasileira e suas necessidades.

O Brasil tem mais de 70% da população fora da classe média, destacou o sociólogo Jessé de Souza, professor de ciência política da Universidade Federal Fluminense. “Classes não podem ser compreendidas apenas pelo poder econômico, mas como um todo”, alerta.

De acordo com ele, o ciclo vicioso que escraviza a maioria da população é consequência de um modelo de educação que não capacita as pessoas para pensar, refletir e compreender o que é ensinado. “Trata-se de capacitar este brasileiro para a ação econômica. E isso não é culpa da família. Crianças chegam à escola aos cinco anos sem capacidade de concentração ou pensamento prospectivo. E isso é uma herança negativa, pois essas características não são universais, são transmitidas pela verdadeira classe média”, apontou.

Há uma enorme classe social invisível, completou. “Mas a ciência pode torná-la visível. O povo necessita dessa capacitação e não tem essa capacitação.”

“Em entrevistas, pessoas adultas se referiam à educação a um ato de ficar de frente para um quadro negro por horas, sem apreender a lição. Esse é o indivíduo médio invisível”, informou o presidente do Ipea. “Todos nós vivemos em instituições. É necessário que essa herança de classe não seja eterna, com as instituições de estado prometendo educar e apenas fazendo desses indivíduos analfabetos úteis”.

Jessé Souza apontou ainda para o saída muitas vezes encontrada por essa importante parcela da população, em termos de reconhecimento social e de autoestima. “As igrejas neopentecostais dão a essas pessoas o autorrespeito. O reconhecimento social. Coisa que o estado, por meio da educação formal, não vem garantindo.”

>> País tem que se integrar a nova revolução industrial, diz ex-ministro

Papel da mulher e do estado para o desenvolvimento

O consultor Claudio Frischtak, que foi economista chefe do Banco Mundial durante nove anos, salientou a importância da mulher pelo papel central na transmissão do conhecimento e a necessidade de mudança no modelo de pensamento acerca do papel do Estado e das políticas industriais. "Todos nos nos acostumamos a pensar de certa forma, e é muito difícil sair de um certo paradigma, de uma certa maneira de ver o mundo. Um dos pontos é repensar o papel do Estado."

De acordo com Frischtak, o esforço de inovação no país está estagnado e a absorção de inovação é muito baixa, o que compromete o ganho de produtividade e qualidade do trabalho. O problema, contudo, não é a falta de financiamento à inovação, o problema é a ausência de resultados, "muito dinheiro investido com parcos resultados". 

A solução, aponta, é a definição de uma agenda de reformas, o que vale também para a indústria e para a infraestrutura do país. 

“Pode-se afirmar que as políticas levadas adiante nos últimos anos falharam”, afirmou o economista. “A participação da indústria de transformação no PIB se reduziu de tal forma que, em 2014, voltamos sete décadas de história, pois o valor adicionado da indústria, como proporção do valor adicionado do PIB, está no nível de 1947”, comparou.

Para o especialista, o Brasil vem enfrentando um tríplice desafio: baixas taxas de investimento, ganhos limitados de produtividade e um esforço inovador insuficiente e localizado em poucos segmentos e empresas. “Não há oferta competitiva com baixa produtividade, custos de transação elevados e baixa integração às cadeias globais de valor. E não haverá oferta competitiva se o País e os agentes econômicos não conseguirem enxergar a fronteira das melhores práticas econômicas, normativas e institucionais.”