ASSINE
search button

Mudanças no pré-sal e no Conteúdo Local: O que está em jogo na indústria

Movimentos geram controvérsia entre especialistas que acompanham mercado

Compartilhar

Entrou em debate essa semana a possibilidade de uma revisão da política de Conteúdo Local, implementada para estimular a indústria nacional, e da queda da obrigatoriedade de participação de 30% da Petrobras nos projetos de no pré-sal. Diretora da ANP e ministro se pronunciaram sobre os assuntos. Especialistas consultados pelo JB, contudo, divergem sobre os temas. Para alguns, a política de conteúdo nacional está esgotada e precisa de mudanças ou nunca deveria ter sido implementada, e para outros ainda é extremamente necessária para o país. Sobre a exigência de participação da Petrobras, o mesmo desencontro. Carlos Lessa, professor emérito de economia e ex-reitor da UFRJ, chama a atenção para a tentativa de se desmantelar a estatal. 

Um grupo composto por especialistas do Ministério de Minas e Energia, do Ministério da Ciência e Tecnologia e da ANP está avaliando a possibilidade de aprimoramento na política de conteúdo local para a exploração e produção do petróleo, e deve apresentar resultados em um ou dois meses.

 O objetivo, de acordo com o MME, é estudar ajustes para simplificar as regras para as empresas de forma a manter os benefícios que a política trouxe ao País. "[Será] uma flexibilização muito bem calibrada. Para essa rodada, não vai dar tempo. Mas estamos efetivamente trabalhando", disse o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga.

Ao mesmo tempo, o ministro destacou que, apesar do assunto ainda não estar sendo discutido pelo governo, a queda da exigência de que a Petrobras seja sócia obrigatória de ao menos 30% de cada bloco de exploração e produção do pré-sal seria "uma boa estratégia". A diretora da ANP, Magda Chambriard, seguiu a mesma linha e foi além, destacando que seria interessante revisar essa obrigatoriedade, mas que este movimento poderia ficar de fora do próximo leilão, ficando para quando não houver reservas com grande potencial.

Conteúdo Local, hora de mudar ou manter?

As dificuldades para atingir as exigências de conteúdo local nos projetos de petróleo e gás teriam levado petroleiras que atuam no Brasil, inclusive a Petrobras, a pedir a revisão dessa política. "Todas as entidades de classe, além de Petrobras, Chevron, Shell e Exxon, estão apresentando propostas à ANP. A agência não diz se vai aceitar, mas está receptiva. Não é o fracasso da política", disse Paulo Alonso, assessor da presidência da Petrobras, depois de participar de evento com fornecedores, em Houston. 

Carlos Lessa, professor do Instituto de Economia da UFRJ, em conversa com o JB por telefone, alertou que abrir mão dessa política seria um erro vital, e que qualquer relançamento dela precisa ser "extremamente bem negociado". "Todo e qualquer instrumento de política econômica, ao ser utilizado, vai sofrendo pequenas modificações, ajustes de rumo, porém, abrir mão dos direitos de fazer política é inacreditável, é um erro vital."

Para Lessa, a política de conteúdo local foi particularmente significativa para o Brasil. A indústria de produção naval renasceu por causa dessa política, destaca. Ao encomendar navios e sondas no mercado nacional, a Petrobras forçou, primeiro, os estaleiros nacionais e, segundo, que os estaleiros nacionais passassem a utilizar companhias de conteúdo local.

Lessa explica que a ideia de conteúdo local é um dos procedimentos que um governo pode lançar mão para desdobrar uma política de desenvolvimento industrial, predominantemente. Basicamente, se há uma frente de expansão da economia, ao lançar mão da política de conteúdo local, se multiplica os efeitos dessa frente. 

"Por exemplo, Petrobras, ela começa a desenvolver explorações de águas profundas, essa exploração exige uma variedade enorme de procedimentos e equipamentos, um deles são as embarcações especiais, chamadas offshore, se o Brasil vai ser o maior comprador desse tipo de embarcação nos próximos anos é extremamente importante que nas compras da Petrobras haja uma política de Conteúdo Local, porque isso reforça enormemente a indústria de construção naval do Brasil, o desenvolvimento de normas técnicas em engenharia naval, desenvolvimento de normas técnicas de construção de equipamentos, de construção de cascos, enfim, se desdobra por todos os lados", explica Lessa.

Lessa salienta que o Brasil teve no passado uma indústria importante de defensivos agrícolas, que foi desmantelada sem política de conteúdo local. Com a privatização de setores, por exemplo, petroquímicos, desapareceu a indústria de fertilizantes no país. "As políticas de conteúdo local são um dos instrumentos importantes de um projeto nacional de desenvolvimento industrial, desenvolvimento econômico, e a revisão dele é um absurdo, principalmente no momento em que o cenário mundial está extremamente confuso."

Maurício Canêdo, pesquisador da área de Economia Aplicada do Ibre/FGV, por outro lado, chama a atenção para a necessidade de ajustes na política de Conteúdo Local. Para ele, a política faz sentida quando pensada para deixar de fazer sentido no longo prazo, ou seja, de forma que ela própria deixe de ser necessária para continuar estimulando a indústria doméstica. 

"Você dá uma ajuda inicial à indústria que se quer desenvolver e a ideia é que essa ajuda seja diminuída ao longo do tempo conforme a indústria doméstica seja capaz de caminhar com as próprias pernas, não é isso que está acontecendo", acredita Canêdo.

Canêdo defende que o ajuste dessa política poderia seguir dois caminhos, um relacionado a seleção dos setores beneficiados, em uma ação mais seletiva dos que têm maiores chances de desenvolvimento e autonomia. "Tem que ter critério, tem que fazer escolha, não dá para querer fomentar todos os setores,". Outro seria ligado a uma configuração transitória, desenhada para fomentar a indústria por determinado período de tempo, 10 ou 15 anos, por exemplo, dependendo do setor. "Qualquer mudança que vá nessa direção é benéfica."

Martin Tygel, diretor associado do Centro de Estudos de Petróleo da Unicamp (Cepetro), por sua vez, defende que essa política de CL pode ser a princípio interessante, mas tem resultados adversos, não só agora como em outros tempos. "Apesar das boas intenções, ela tem uma situação muito ruim, porque quem compra esses equipamentos tem prazos muito determinados, então você não pode fazer uma reserva de mercado em relação a isso porque você pode inviabilizar a produção. No caso do petróleo, insistir no conteúdo local fez com que ficasse muito mais caro, porque o Brasil não tem experiência e não tem capacitação para isso, pelo menos no começo, demorou muito mais e ficou mais caro."

Para Tygel, a política ainda abre precedentes para ajustes e acordos, "porta aberta para a corrupção e para perder o controle das coisas". Existiriam, indica, maneiras mais inteligentes de fomentar a indústria nacional, como permitir que fábricas estrangeiras se instalem no Brasil ou colocar brasileiros para acompanhar os trabalhados dessas empresas.  "Sou bastante contra essa política de Conteúdo Local, porque não foi utilizada inteligentemente, e não teve benefícios porque ela não é sustentável."

Petrobras no pré-sal 

Sobre a possibilidade de retirada da exigência da Petrobras como sócia obrigatória de ao menos 30% de cada bloco de exploração e produção do pré-sal, Carlos Lessa é taxativo: trata-se de mais uma tentativa de desmantelar a Petrobras, com base no argumento do combate à corrupção. "A corrupção não é de hoje, infelizmente é antiga. Mas ninguém diz uma coisa que é fundamental, a explicitação da corrupção é uma vitória da democracia brasileira. (...) Corrupção é como uma escadaria, você tem que limpar o andar de cima para baixo, mas todo mundo tem que subir com o pé limpo, porque senão suja. O caminhar para a democracia é um caminhar difícil. Só que estão querendo agora a Petrobras é corrupta logo vamos desmantelá-la."

Lessa alerta que a estatal é o que o país tem de mais importante em matéria de empresa e de possibilidade de ter presença no mundo, e a maneira mais fácil de desenvolver a indústria brasileira, reforçar o sistema de pesquisa científica e tecnológica no Brasil. "Como é que vamos consertar reduzindo o papel da Petrobras, não, tem que aumentar o papel da Petrobras. Se você tem uma reserva que não é lucrativa para a Petrobras, não é lucrativa para ninguém."

"No início dos anos 1950 havia um monte de brasileiros dizendo que o Brasil não teria jamais competência para gerir um negócio de petróleo, e nós fizemos da Petrobras uma imensa empresa. Foi contaminada pesadamente pelo processo de corrupção. E agora a democracia brasileira está fazendo a explicitação disso e os pescadores de águas turvas estão querendo usar isso para desmantelar a Petrobras. É complicado. Eu sou daqueles que afirmam com todas as letras, a Petrobras tem que ser nossa, tem que continuar nossa e ela é das cartas que o Brasil possui agora a carta que tem maior importância", alerta. "O que nós vamos fazer, nós vamos entregar o mercado interno brasileiro?"

Já Canêdo acredita que a política da Petrobras como operadora único é ruim, inclusive, para a estatal. "Eu diria que ela é obrigada eventualmente a entrar com sócia de blocos que ela não vê futuro. Ela vai ter que ser sócia de 30% daquele prejuízo, tenho ganhado leilão ou não. Então assim eu acho que foi um erro colocar a Petrobras como operador único, necessariamente, operador único do pré-sal."

A Petrobras tem uma vantagem competitiva muito grande, destaca Canêdo, o que permite sua participação em projetos importantes do pré-sal. "Ainda que sem essa regra, provavelmente a Petrobras estaria em boa parte dos consórcios ganhadores. A Petrobras conhece a geologia do Brasil como nenhuma outra empresa. Todo mundo quer ser sócio da Petrobras. Então, dificilmente a Petrobras deixaria de ter um papel preponderante na exploração de óleo e gás no Brasil", diz o pesquisador.

Sem a obrigatoriedade, aponta, a Petrobras poderia escolher participar dos projetos mais rentáveis, ou os que se alinhassem mais ao planejamento estratégico da empresa,inclusive em termos de compartilhamento de risco.