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Luiz Felipe Lampreia: Em comércio, não há generosidade

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Ubirajara Loureiro , Jornal do Brasil

RIO - Primeiro lugar no vestibular do curso de formação de diplomatas do Instituto Rio Branco, em 1963, Luiz Felipe Lampreia passou por todos os postos da carrière até chegar ao posto mais alto, ministro de Relações Exteriores, no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, em 1995. Por isto, é olho crítico que observa o atual estágio das relações Brasil-Argentina, marcado pela tolerância brasileira diante das violações portenhas às normas do Mercosul. Pragmático, diz que a crise vai durar para sempre e prevê que os EUA, seguidos por Brasil e China, puxarão a recuperação da economia mundial. A seguir, trechos da entrevista que Lampreia deu ao Jornal do Brasil:

O senhor esteve envolvido nos momentos tensos de negociações Brasil-Argentina, na época do governo Menem, que chegaram a ameaçar a estabilidade do Mercosul, ao falar em relações carnais com os Estados Unidos. Há algum paralelo com a situação de hoje, com as barreiras aduaneiras que reduzem as exportações do Brasil?

As relações Brasil-Argentina são fundamentais para nós. Mas acho também que o governo brasileiro está sendo excessivamente compreensivo e leniente com a situação. Temos de pensar, em primeiro lugar, nos interesses do Brasil. E acho que isto não está sendo feito. Tem havido excessos, como por exemplo a declaração do presidente Lula de que seria normal que a Argentina estabelecesse restrições, e exercesse protecionismo, como ela está fazendo. Isto revela uma timidez, uma complacência com os interesses dos outros, que não é cabível.

Não vale então a tese de que preponderaria um valor mais alto, a preservação do Mercosul, acima de divergências comerciais episódicas?

Quem está enxovalhando o Mercosul é a Argentina. Essas medidas todas que eles adotaram são completamente contrárias à letra, ao espírito que norteou a estruturação do Mercosul. Tem de haver um limite, que passe pelo interesse nacional, das empresas brasileiras.

Qual o desenvolvimento provável e o desejável que o senhor vê para esta situação?

O provável é que o Brasil aceite as pretensões argentinas. O próprio presidente anunciou isto.

O senhor considera esta postura um erro?

Considero. Em comércio, não pode haver atitudes de generosidade, de compreensão. Casa um pensa no seu, e é assim que acontece pelo mundo afora. Pensa que alguém é generoso ou leniente conosco lá fora? Não é, não.

Nessa conjuntura em que o Brasil, integrado ao G-20, participa das discussões sobre soluções globais, qual seria o rumo desejável na orientação da política externa brasileira?

Certamente contribuir para um entendimento internacional no sentido da superação da crise e de conter impulsos protecionistas que surgem em vários lugares do mundo, e procurar encontrar soluções duradouras para os problemas do crédito e das finanças mundiais, via fortalecimento de mecanismos e instituições multilaterais, como no Fundo Monetário Internacional, por exemplo.

Nesse contexto internacional, acabou a hegemonia americana? Há luz no fim do túnel?

A hegemonia americana, certamente não. Acabou foi a hegemonia absoluta, o poder incontrastável dos Estados Unidos. Hoje, os Estados Unidos têm de repartir este poder com uma série de outros países. Não há mais aquela predominância que eles tinham ao fim da Segunda Guerra Mundial ou na época da derrubada do Muro de Berlim. Isto seria o sonho dourado da esquerda, que os Estados Unidos desmoronassem, assim como desmoronou a União Soviética, mas isto não vai ocorrer.

Nessa fase, como poderia se equacionar uma supervisão internacional sobre estas operações bancárias que colocaram o mundo em xeque?

Agora é do interesse de todos que haja consenso para limitar este grau frouxo de controle sobre os bancos, particularmente sobre os bancos de investimento, que permitiu a eles fazerem todas as loucuras que fizeram e que conduziram a esta catástrofe atual. Também é necessário um maior controle sobre os fundos off shore, aplicações em derivativos, enfim toda esta gama assuntos já colocadas fortemente pelo secretário do tesouro americano.

O senhor espera o futuro próximo com otimismo?

Esta crise não vai durar a vida inteira. Num momento não muito distante ela vai ser superada. Certamente no ano que vem já começarão a surgir sinais positivos. Acho que até o final de 2010 teremos o início de uma recuperação, que, a meu ver, vai começar nos EUA. Dentre as grandes economias mundiais, eles serão os primeiros a sair do buraco. A Europa vai demorar mais, o Japão também. Acho que os EUA, a China, o Brasil serão os primeiros a saírem da crise