ECONOMIA

O caso do fundo Bravo, um golpe de R$ 7,2 bilhões

Como o BRAVO 95 movimentou R$ 7,7 bilhões em créditos públicos opacos e reproduziu a engenharia financeira vista nos casos Master e Fictor

Por LUÍS NASSIF
Do Jornal GGN

Publicado em 11/12/2025 às 09:25

Alterado em 11/12/2025 às 09:55

O jornalista Luis Nassif Foto: Observatório da Democracia

Resumo da notícia
Em 18 de outubro de 2024, uma movimentação silenciosa marcou o mercado financeiro brasileiro. Vinte e sete fundos de investimento em direitos creditórios — com nomes que lembram mitologia, constelações e figuras literárias —, que estavam inativos havia meses e até anos, foram “acordados” no mesmo dia. Em seguida, em menos de dez dias, passaram a operar como se tivessem sido programados por um único comando central: todos compraram o mesmo ativo, na mesma velocidade, na mesma proporção.

Ao final desse movimento, R$ 7,7 bilhões estavam concentrados em um produto financeiro que a maioria dos cotistas nunca viu, não entende e sobre o qual praticamente não existe informação pública: as Cártulas de Créditos BB, documentos emitidos pelo Banco do Brasil supostamente lastreados em precatórios e dívidas judiciais de entes públicos.

O fundo que coordena essa engrenagem é o BRAVO 95 FIC-FIM, um gigante pouco conhecido fora dos círculos técnicos, mas que já nasce ocupando uma posição incomum: administra, sozinho, a maior concentração privada recente de créditos públicos opacos no país.

A coreografia perfeita dos 27 fundos

Os 27 FIDCs que alimentam o BRAVO 95 compartilham uma característica rara no mercado: todos foram reativados ou convertidos em FIDC no mesmo dia, 18 de outubro. Esse nível de sincronização, em operações independentes, não é comum; é padrão de engenharia coordenada.

Fundos que estavam há 18 meses, 24 meses e até 40 meses sem qualquer operação foram, de uma hora para outra, transformados em veículos de aquisição de ativos bilionários. Entre 18 e 31 de outubro, todos compraram Cártulas BB em escala industrial.

Ao fechar o ano de 2024, surge o primeiro alerta:

nenhum dos 27 fundos registrou qualquer receita de juros, amortização ou pagamento de principal por 74 dias.

Todos apresentaram rentabilidade levemente negativa, reflexo apenas de despesas.

O ativo de R$ 7,7 bilhões não gerou um único centavo.

Mas a história não acaba aí.

O ativo invisível: Cártulas de Créditos BB

A descrição oficial das Cártulas BB afirma que elas representam:

“Direitos creditórios originados de precatórios ou dívidas públicas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, autarquias e fundações.”

O que parece claro se torna nebuloso quando os relatórios detalham o que não será informado:

Quem são os entes públicos devedores.
Qual o valor facial dos créditos.
Qual a taxa de desconto aplicada.
Qual o estágio judicial de cada precatório.
Quais os processos que deram origem ao ativo.

A expressão mais repetida nas notas explicativas é: “Dado não divulgado.”

Isso significa que R$ 7,7 bilhões em créditos públicos foram cedidos, empacotados, revendidos e reprecificados sem que o mercado saiba quem deve, quanto deve e em que condições deve.

A transparência, aqui, é opcional. A opacidade, estrutural.

A reprecificação coletiva — a marca do artifício

Em 10 de janeiro de 2025, a administradora dos fundos divulgou um Fato Relevante informando uma “reprecificação relevante” das Cártulas BB.

O evento atingiu todos os 27 FIDCs simultaneamente.

A justificativa menciona:

baixa liquidez de mercado,
ausência de atualizações consistentes,
amostra de negócios avaliados,
reformulações metodológicas.

Mas não informa o essencial:

Qual foi o novo valor das carteiras.
Quanto cada fundo perdeu.
Quais operações comparáveis foram usadas.
Qual modelo técnico foi aplicado.

A reprecificação — o ajuste de valor justo — é a ferramenta mais sensível de um gestor. Quando usada sem transparência, permite alterar valor de carteira sem fluxo de caixa real.

Foi exatamente esse mecanismo que marcou escândalos recentes em FIDCs ligados ao Banco Master e em operações estruturadas da Fictor.

Por que a REAG virou alvo

Em agosto de 2025, a Operação Carbono Oculto, da Polícia Federal (PF) do Brasil, identificou a REAG como uma das gestoras/alvos investigados por suspeita de uso de fundos de investimento para ocultar dinheiro de origem ilícita, atribuído a operações de uma organização criminosa ligada ao PCC.

Segundo as autoridades, a estrutura da REAG teria sido usada para movimentar recursos do tráfico de drogas e outros crimes, por meio de fundos exclusivos, financiamentos e veículos de investimento, transformando patrimônio sujo em ativos aparentemente “limpos”.

A investigação envolve — segundo reportagens recentes — cerca de 40 fundos suspeitos sob administração da REAG, e movia fortes indícios de que a gestora funcionava como um “hub” de lavagem de ativos via mercado de capitais.

O padrão Master–Fictor reaparece

Os casos do Banco Master (2020–2023) e da Fictor (2019–2024) revelaram um modus operandi específico:

Criação de fundos espelho para pulverizar risco aparente.

Compra de ativos opacos com descrição genérica.

Ausência de renda real nas carteiras.

Reprecificações sincronizadas, alterando artificialmente o valor das cotas.

Concentração extrema em poucos credores ou ativos.

Uso de camadas sucessivas de fundos para esconder o risco real.

Quando observamos o BRAVO 95:

- 27 fundos espelho ativados ao mesmo tempo
- ativo opaco e sem devedores revelados
- zero receita por 74 dias
- reprecificação em bloco
- concentração superior a 90% em um único “Devedor 1”
- estrutura em camadas (FIC FIDC ativo real)

A semelhança metodológica é impossível de ignorar.

O risco fiscal invisível

Há um elemento ainda mais grave neste caso.
O ativo do BRAVO 95 não são dívidas privadas — são dívidas públicas.

Isso significa que:

- o devedor é o Estado brasileiro,
- que o pagamento recairá sobre orçamentos futuros,
- e que R$ 7,7 bilhões de obrigações públicas estão hoje circulando sem qualquer transparência.

O cidadão — que financia o Estado — é parte interessada.
Mas não tem acesso à informação.

O mercado — que financia os fundos — também não.

O silêncio como modelo de negócio

O caso BRAVO 95 revela uma tendência ainda pouco discutida: o uso crescente de estruturas privadas para armazenar, manipular e negociar dívidas públicas sem transparência.

A fronteira entre o que é público e o que é privado se dilui:

- O crédito é público.
- A cessão é privada.
- A avaliação é privada.
- A reprecificação é privada.
- As perdas, porém, podem tocar o público.

Se há risco de prejuízo, ele recai sobre cotistas desavisados.
Se há expectativa de ganho, ela depende de decisões judiciais sobre recursos públicos.

É um jogo assimétrico.

As perguntas que ainda não têm resposta

Ao Banco do Brasil:

- De quais precatórios vieram as Cártulas BB?

- Qual o valor original dos créditos?

- Qual o deságio aplicado na cessão?

À CVM:

- Por que é permitido que R$ 7,7 bilhões em créditos públicos permaneçam sem identificação de devedores?

- Há investigação sobre a sincronização dos 27 fundos?

Ao Ministério Público:

- Há risco de impacto fiscal futuro?
- Que Estados e Municípios estão por trás desses créditos?
- A opacidade atende a algum interesse específico?

Conclusão: a anatomia de um fundo invisível

O BRAVO 95 é a expressão mais recente e sofisticada de uma engenharia financeira que o país já conheceu em outros escândalos: criar estruturas que parecem diversificadas, mas que concentram risco; operar fundos que parecem conservadores, mas que carregam ativos opacos; produzir resultados que parecem técnicos, mas que dependem de parâmetros internos.

***

NOTA DO JORNAL DO BRASIL

Administradores da RAEG que formaram o Fundo Bravo:

Um panorama da direção atual da REAG Investimentos (que agora se apresenta como Arandu Investimentos), com os principais executivos e diretores que constam nos registros de governança da empresa:

Diretoria Estatutária / Executivos
• Dario Graziato Tanure — Diretor-Presidente e Diretor de Relações com Investidores (CEO & IRO) da REAG.

• Giuliana Nigro Argese — Diretora Financeira (CFO) da companhia — eleita recentemente.

Nota: Até outubro/novembro de 2025 a REAG passou por mudanças na diretoria financeira, com renúncia de Edson Inácio da Silva e eleição de Giuliana Nigro Argese.

Conselho de Administração
• Felipe Oppenheimer Pitanga Borges — Presidente do Conselho de Administração.

• Carlos Alberto Heitor de Farias Maggioli Filho — Vice-Presidente do Conselho de Administração.

Outros membros de governança
• Dario Graziato Tanure — também membro do Conselho.

• Fernando Antônio Albino de Oliveira — Membro independente do Conselho.

Esses são os nomes chave divulgados nos documentos de governança e na área de relações com investidores da empresa.

Tags:

Deixe seu comentário