ASSINE
search button

O caminho da modernidade do SFN no Brasil tem origem

Compartilhar

Ao amigo José Pais Rangel nascido em 9 de setembro de 1940, considerava um pai mais novo e por coincidência de datas, meu pai real era de 10 de setembro de 1922, portanto o aniversário era um dia antes de meu pai real, sendo bem mais novo, 18 anos de diferença, que na nossa civilização dá a maioridade aos homens. Rangel também era um irmão mais experiente. Começou a trabalhar no Banco de Crédito Real de MG (1960). Entrou no Banco do Brasil em 1961, na cidade de Linhares (ES), ficando aí até fins de 1964.

Aprovado em 1º lugar em concurso interno no BB para função de Escriturário (1964), Rangel foi cedido na origem e tornou-se funcionário do Banco Central desde a sua gestação. A Sumoc era um órgão interno do BB que viria a tornar-se o Banco Central do Brasil em 31 de dezembro de 1964. Em 1965, Rangel teve o seu primeiro cargo de chefia na FUNCI-RJ, a Gerência de Recursos Humanos do BC. Assim, ele também foi beneficiário, fundador e Membro do Conselho de Curadores da CENTRUS - Fundação Banco Central de Previdência Privada, fundação dos funcionários do BC. Já como funcionário do BC, formou-se em advocacia em 1973, pela faculdade Cândido Mendes, exercendo diversos cargos e depois a chefia na inspetoria e na fiscalização do Mercado de Capitais, assumindo posteriormente a chefia do Departamento da Dívida Pública, tendo como seu diretor, Carlos Brandão.

No começo de tudo e no mercado que pode ser visto e entendido nos dias de hoje como administração da dívida pública brasileira, ele José Pais Rangel está nos primórdios e anais dessa história vitoriosa e de upgrade do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e do Brasil. O Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), criado em 14 de novembro de 1979, é um sistema informatizado destinado ao registro, custódia e liquidação de títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional.

José Pais Rangel esteve à frente do Departamento da Dívida Pública (Dedip), antecessor do atual Departamento de Operações do Mercado Aberto (Demab), no momento da implantação do Selic, para se desincumbir da missão para a qual havia sido convidado, que era a de introduzir a liquidação financeira, solucionando, assim, os problemas advindos da utilização dos cheques para tal.

Antes do sistema Selic não existia um mercado de dívida, negociava-se troca de cheques administrativos (ADM) e reserva monetária (dinheiro). Não existia um sistema que computassem os títulos onde o tesouro era o devedor. Nesse momento com o diretor da Dívida Pública do Banco Central, Carlos Brandão foi criado o Selic, fazendo anteriormente uma consolidação de todos os tipos de dividas da União desde o inicio do século fazendo com que esse sistema se expandisse e dando segurança nos novos títulos de dívida.

Os estudos que permitiram a implantação do Selic em 1979, na verdade, tiveram início da década de 1970, sob a chefia de Carlos Brandão, que comandava a então Gerência da Dívida Pública, que deu origem mais tarde ao Dedip, mas já contava com a colaboração de Rangel. No período de estudos, as Letras do Tesouro Nacional (LTN) eram emitidas fisicamente e ficavam geralmente em poder das instituições financeiras, que as guardavam em nome dos clientes, se fosse o caso.

O Banco Central, que iniciara a realização de custódia das LTN de sua carteira de forma física em 1970, a pedido das instituições financeiras, centralizou também a custódia desses títulos dessas instituições financeiras no ano subsequente, sem alterar, no entanto, a forma de liquidação financeira, que se manteve com a emissão de cheques, sacados pelos compradores e entrego aos vendedores. Em 3 de abril de 1978, foi implantado no Selic o sistema escritural de LTN, com a consequente eliminação da necessidade de movimentação dos títulos físicos, dos vendedores para os compradores, mantido ainda o procedimento de liquidação financeira com a emissão de cheques.

Rangel, portanto, participou dos primórdios da racionalização das operações com títulos públicos da dívida mobiliária e colaborou, tanto na fase de estudos, quando na de implementação, deixando, como legado fenomenal para época, uma “clearing” sem quaisquer riscos e com custo de transação mínima – transferência escritural de LTN da instituição financeira vendedora para a compradora e de reservas bancárias de instituição financeira compradora para a vendedora.

O verdadeiro Open Market faz falta nos dias de hoje porque no passado a moeda irrigava-se pelos “dealers” e daí na economia. Os recursos fluíam e as intervenções do Banco Central eram somente quando necessárias, sem zeragem automática de posições.

A Taxa Selic, tão utilizada hoje em diversas operações, por exemplo, é calculada pelo Sistema Selic diariamente e jamais sofreu quaisquer críticas quanto ao seu critério de apuração. Assim o sistema bancário deve muito ao ilustre desconhecido Rangel, chefe do Departamento da Dívida Pública (DEDIP) e ao seu Diretor, Carlos Brandão, que comandaram a transformação do sistema primário no passado (1979) no que é hoje o Sistema Financeiro Nacional e a própria Febraban.

Seguindo a trajetória no Banco Central, Rangel foi convidado pelo ministro do Planejamento, Delfim Netto, para assessorar a Comissão Especial de Desestatização da Presidência da República, no governo Figueiredo. Foi coordenador do Programa de Desestatização de empresas de capital aberto em mãos do BC. Foi presidente do conselho de administração da Cia. América Fabril. Membro titular do CA da Cia. Fábrica de Tecidos Dona Isabel. Foi presidente da Cia. Nacional de Tecidos Nova América. Não fica por aí.

Assumiu riscos e responsabilidades ao ser convidado para comandar a privatização da Nova América em 1987, a maior fabrica têxtil do Rio de Janeiro, em situação falimentar, estabelecendo um novo marco com início da privatização, resolvendo um imbróglio e liberando prédios que vieram a ser o Shopping Nova América. A privatização deu-se em 9 de junho de 1987 em leilão concorrido por 19 ofertantes tendo ocorrido um ágio de 26,6% e suficientes por cobrir uma deficiência de caixa do BNDES, segundo o presidente a época, Márcio Fortes, não existia recursos nem para pagar a folha de pagamentos do funcionário. O leilão teve como vencedor a empresa Multitêxtil do grupo Cataguazes- Leopoldina. Justamente nessa atividade ele veio a conhecer o seu futuro sócio e patrão João José Abdalla (Juca Abdalla). Após a privatização da Nova América foi liquidante das seguintes empresas estatais: Digibrás (Empresa Digital Brasileira S.A.), Digidata (Eletrônica S.A.), Proel (Processos Eletrônicos Ltda), tendo encerrado suas atividades vinculadas como funcionário do Banco Central e se aposentado em 1991.

A partir de 1993 começam suas atividades no setor privado, onde teve proeminência equivalente à de funcionário do Banco Central. Na presidência do Banco Clássico, voltado para administração de recursos próprios, atuou numa dimensão totalmente diferente da função que exercera até então. Em 1998, com a privatização da Gerasul decidiu juntamente com o controlador tomar participações minoritárias relevantes em empresas privadas com atividades em bens ou ativos tradicionais que começavam com uma nova concessão e com recuperação do capital investido bem definido.

Visão que a maioria dos investidores do mercado bursátil não enxergou nos benefícios do novo marco regulatório que começava em 1998. Preços livres, concessão de 30 anos de bens e ativos com demanda inelástica. A partir daí chegou-se a um percentual de 10% que abriu caminho à participação em outras empresas que tinham as mesmas características no mesmo setor ou correlatos ou com especificações similares. Esta foi à chave do sucesso desde o seu início. Com a vasta experiência adquirida nas diversas funções exercidas no BC, assumiu posição no conselho de administração da Gerasul, transformando-se em Tractebel e na atual Engie.

Os princípios de olhar a gestão com os conceitos de fiscalização e reestruturação de empresas em dificuldades fizeram de José Pais Rangel um observador privilegiado e assim um grande representante de acionistas minoritários que tinham a visão de privilegiar a administração e preservar a continuidade das empresas no longo prazo. A participação nos conselhos sempre com participação minoritária era pautada por cobrar dos gestores a melhor administração possível dando retornos às empresas e dividendos aos seus acionistas.

Assim vieram as participações nas empresas Cemig, CEG, Eletrobrás, Petrobras e Kepler & Weber. Dessa determinação pode indicar outros membros em conselhos de administração e conselhos fiscais onde o Banco Clássico e o Fundo de Recursos Dinâmica tinham participações minoritárias relevantes. A cobrança de melhoria de gestão e “compliance” por atuação forte dos conselheiros em reuniões de conselhos contempla o sonho e o olho do acionista minoritário vigilante, “ativista” na empresa e na legislação societária que a empresa deve seguir de forma cotidiana visando o bem-estar da empresa, de todos os acionistas e da sociedade. Tudo que o órgão regulador no caso brasileiro, a CVM, quer de administradores, sejam representantes de acionistas preferencialistas ou de ações ordinárias minoritárias ou controlador do capital.

Conheci José Pais Rangel através de um amigo dos tempos do Banco Nacional e que exercia o cargo de Diretor da Tractebel. Na época participava do conselho fiscal da Eletrobrás ou da Comissão de Investigação da Eletrobrás. Marcamos um encontro e apresentei a eles as reclamações apresentadas por mim na CVM como representante de acionistas minoritários na Eletrobrás e que, por estar na comissão de fiscalização, só poderia me manifestar sobre os fatos já conhecidos. Começamos uma amizade dado a sua formação no Banco Central e meu conhecimento no sistema financeiro e ter trabalhado com amigos comuns do Banco Nacional. Quando o conheci, o Banco Clássico já era investidor minoritário relevante na Eletrobrás (7% de ON).

A partir daí vieram as coincidências de vivências do passado, contou que conhecia o ex-dono da Pebb, Luís Afonso Otero, pessoa que ele respeitava e tinha grande consideração, confidenciando que era sempre convidado para as festas de Natal em sua residência. Trabalhei por anos na Pebb, justamente na transição e falecimento do patrono da Pebb. A amizade se solidificou. Fui indicado para conselho fiscal da Cemig, dado meu conhecimento na área de energia e de algumas pendencias que perduram até hoje. A partir daí uma vez por semana encontrava com o Rangel e o Juca para conversar de economia e como influenciar as gestões das empresas, beneficiando-as, melhorando-as e assim a todos os acionistas. Podíamos discordar de pontos, mas entendíamos a lógica o espectro temporal e pensamentos existentes em cada um dos assuntos discutidos.

Na Eletrobrás foi o primeiro membro eleito por acionistas minoritários, sendo coordenador do Comitê de Auditoria, onde atuou com destaque nas questões relevantes de “compliance” que afetaram a companhia nos últimos dos anos. Nas deliberações polêmicas sempre em posições no melhor interesse da companhia e no estrito respeito a seus acionistas minoritários, como por exemplo, na proposta de alienação (transferência do controle acionário) empresas Distribuidoras de Eletrobrás e sobre sua Liquidação, votou pela liquidação, contra a assunção de suas dívidas pela Eletrobrás.

Realmente muito triste seu falecimento. Estava em plena atividade em diversos conselhos de administração. Fará falta na representação dos acionistas minoritários nas empresas, mas pode ser um ponto de inflexão neste tema tão árduo que visa o interesse comum, de dar frutos e dividendos para todos os acionistas. Uma proposta é que tanto as Bolsas como a Febraban e Banco Central façam uma homenagem simbólica a José Pais Rangel com um minuto de silêncio na abertura ou meio de pregão da Bolsas de Valores e Mercados de Futuros de Juros e assim por extensão homenagear todas as vidas que se foram por essa pandemia que mudou a vida de todos no mundo.

Palavras do Rangel dia 12/05/2020. “Estou muito enrolado hoje, amanhã e quinta-feira”. Ficou de ligar na sexta-feira. Descanse em paz grande amigo José Pais Rangel e que Deus reconforte os seus parentes, esposa e filhas e também a todos que tiveram suas vidas paralisadas na Terra de forma inesperada, atingindo pessoas de todas as classes.

A modernidade tem origem – Agora é hora de reconhecer e homenagear às 12h30min.Um minuto de silêncio da Bolsa de Valores, de Mercados Futuros, Banco Central e Empresas S.A.

Engenheiro, Doutor em economia e administrador de empresas.