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Índia está pronta para quintuplicar acordo com Mercosul, diz ministro indiano

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A Índia está pronta para quintuplicar o número de produtos cobertos pelo acordo de preferências tarifárias que tem com o Mercosul.

De acordo com Hardeep Singh Puri, um dos mais poderosos ministros da Índia, que acumula as pastas de Aviação Civil, Planejamento Urbano e Comércio, o governo do premiê Narendra Modi está em negociação com o Brasil para aumentar o pacto atual, que compreende 450 produtos com redução de sobretaxa, para atingir de 2000 a 2500 itens.

Em setembro do ano passado, representantes da Índia e do Mercosul realizaram uma videoconferência, na qual o bloco sul-americano informou que fará deliberações internas e apresentará uma proposta.

Para o governo de Jair Bolsonaro, que visita o país a partir desta sexta-feira (24), há três caminhos possíveis: todos os países do Mercosul negociam juntos; a Argentina, sob governo de centro-esquerda, sai da negociação; ou o Brasil avança sozinho para concluir o acordo com os indianos. 

O Mercosul e a Índia têm um acordo de preferências tarifárias muito limitado. Há planos para expandir esse acordo? Integrantes do setor industrial brasileiro afirmam que só aceitariam redução de tarifas se a Índia também concordasse em negociar subsídios agrícolas e industriais. A Índia aceitaria?

Hardeep Singh Puri - O acordo de preferências entre Mercosul e Índia entrou em vigor em junho de 2009 e prevê redução de tarifas de 10% a 100% reciprocamente para 450 linhas tarifárias.

Por causa do alcance limitado do acordo, Índia e Mercosul não conseguiram realizar todo o seu potencial de comércio. Desde 2016, os dois lados estão negociando ativamente e já trocaram listas com propostas de reduções de tarifas.

A Índia já manifestou seu desejo de aumentar o número de linhas tarifárias para 2000 a 2500. E os dois lados já trocaram uma proposta inicial com cerca de 500 linhas tarifárias.

Em uma videoconferência em setembro de 2019, o Mercosul manifestou seu desejo de ter um acordo abrangente e disse que fará discussões internas com membros do bloco para enviar uma proposta para a Índia, que está esperando.

Não recebemos nenhum pedido do Brasil para inclusão de subsídios agrícolas ou industriais no acordo.

Modi implementou uma série de reformas que agradaram ao setor empresarial e conquistou apoio da população com programas como o Habitação para Todos, além de subsídios para bujão de gás e o projeto para acabar com defecação ao ar livre, com construção de privadas e fossas. Qual é a importância dos programas sociais no governo do premiê?

Hardeep Singh Puri - A Índia hoje é uma economia de US$ 2,8 trilhões, caminhando para US$ 5 trilhões nos próximos anos, quando nos tornaremos a terceira maior economia do mundo [hoje, a Índia ocupa a sétima posição, segundo o Banco Mundial].

No entanto, apesar do nível do nosso PIB, a renda per capita no país é baixa. O objetivo desses programas é empoderar as classes mais baixas ao fornecer bens essenciais como moradia, banheiro, gás. Não vejo conflito entre as reformas econômicas e essas medidas de bem estar social.

Modi não abandonou as reformas —reduzimos brutalmente a tributação sobre empresas no ano passado.

Ele é um reformista, mas também sabe que, na Índia, onde há enorme desigualdade, é necessário levar os frutos do desenvolvimento para todos. Não que eu me importe com números absolutos da desigualdade, mas precisamos garantir que os mais pobres tenham condições de viver e comer.

No Habitação para Todos, a meta era construir 11,2 milhões de moradias até 2022. Dois anos antes do fim do prazo, já autorizamos a construção de 10,3 milhões —dessas, 6 milhões estão em construção, e 3,2 milhões já foram entregues aos beneficiários. O título de propriedade das moradias vai sempre para a mulher da família, para garantir sua segurança e dignidade.

Os EUA, com apoio do Brasil, querem acabar com o tratamento especial e diferenciado na Organização Mundial do Comércio (OMC) para países que se autodeclaram ‘em desenvolvimento’, como China e Índia. Como o senhor vê essa questão?

Hardeep Singh Puri - A proposta dos EUA é “graduar” países que se declaram em desenvolvimento, baseando-se em parâmetros como participação na OCDE, no G20, e retirar da classificação aqueles que são denominados de “alta renda” pelo Banco Mundial e os que respondem por mais de 0,5% do comércio global.

Esses parâmetros desconsideram completamente os desafios enfrentados pela Índia, como baixo PIB per capita, população na pobreza, população desnutrida etc.

O PIB per capita na Índia é de cerca de US$ 2.000 [R$ 8.335], não se compara ao de países como Singapura [US$ 64,5 mil], Coreia do Sul [US$ 31,3 mil] e Brasil [US$ 9.000], que recentemente abriram mão do status de país em desenvolvimento.

Nós não nos opomos à premissa de que países podem voluntariamente abrir mão do tratamento especial e diferenciado em negociações futuras, mas não concordamos com uma abordagem que anula a natureza incondicional da autodeclaração de status de desenvolvimento na OMC.

O senhor já foi embaixador no Brasil e tem mais de 40 anos de experiência em relações exteriores. O que vê de semelhanças e diferenças entre Modi e Bolsonaro?

Hardeep Singh Puri - Tanto a Índia quanto o Brasil são economias emergentes. O desafio das duas nações é obter desenvolvimento econômico que atinja todas as seções da sociedade, principalmente as mais pobres.

A história mostra que esses objetivos só podem ser alcançados quando há vontade política e autoridade política.

Nossos países estão se beneficiando de líderes fortes que não têm medo de usar seu capital político para defender os interesses da nação.

Em seu livro mais recente, “Delusional Politics”, o senhor afirma que Modi e o BJP [partido do premiê] querem uma Índia unida debaixo de mesmo guarda-chuva e que o partido não se restringe mais ao norte da Índia, o chamado Cinturão Hindu. No entanto, na mídia internacional, Modi é retratado como um líder que só governa em benefício da maioria hindu, principalmente por causa da Lei da Cidadania [aprovada no final de 2019, facilita a obtenção de cidadania para imigrantes de Paquistão, Bangladesh e Afeganistão, desde que não sejam muçulmanos]. Essa visão está errada?

Hardeep Singh Puri - Desde 2014, a imagem do BJP como um partido do Norte da Índia vem mudando. Hoje, o BJP é o centro gravitacional da política indiana. Na verdade, com 180 milhões de filiados, trata-se do maior partido do mundo.

Em relação à reação da mídia à emenda da Lei da Cidadania, tenho que dizer que sempre fui um admirador dos jornalistas e de sua busca da verdade. Não tenho nenhuma dúvida sobre a importância da imprensa livre na democracia moderna.

Mas, dito isso, a imprensa também precisa refletir. Temos visto inúmeras vezes repórteres tornarem-se parte de narrativas falsas, que então tentam disseminar.

A Lei da Cidadania não atinge nenhum cidadão indiano, de nenhuma comunidade. Trata-se de uma medida de ação afirmativa —concede cidadania a indivíduos que fugiram de países vizinhos ao nosso por causa de perseguição religiosa.

Como esses países são repúblicas islâmicas, por definição não podem perseguir muçulmanos. Além disso, qualquer pessoa perseguida, de qualquer lugar do mundo, inclusive muçulmanos de países próximos à Índia, podem pedir a cidadania usando outros meios.

Quero instar a mídia internacional a não se deixar levar por falsas narrativas e examinar de maneira crítica a legislação.

O Brasil gostaria de aumentar suas exportações de petróleo e biocombustíveis para a Índia, que costumava importar muito petróleo do Irã e da Venezuela, países atualmente sob sanções. O senhor vê uma oportunidade para aumento de exportações do Brasil?

Hardeep Singh Puri - A Índia importou cerca de US$ 140 bilhões em petróleo bruto no ano fiscal 2018-2019, mas as compras do Brasil foram de apenas US$ 1,59 bilhão, o que indica uma enorme oportunidade para aumento de exportações brasileiras.

Já o uso de biocombustíveis está na fase inicial, e o Brasil, que tem tecnologia avançada, poderia cooperar com a Índia.

O PIB da Índia, que chegou a um pico de 10,3% de crescimento em 2010, desacelerou para 6% no ano passado. Qual é a estratégia para lidar com esse recuo?

Hardeep Singh Puri - Há sinais de recuperação. Entre novembro de 2018 e novembro de 2019, a aviação civil teve alta de 11%. A demanda está se recuperando.

Na construção também —preços de aço e cimento estão subindo, e os estoques estão baixos. Depois de 11 anos crescendo sem parar, há uma correção, isso é parte da vida. E estamos falando de queda no máximo para 6% ou 5%.

Como está avançando a implementação do 5G na Índia? Haverá alguma restrição à empresa chinesa Huawei como fornecedora de equipamentos?

Hardeep Singh Puri - Ravi Shankar Prasad, ministro de Tecnologia da Informação, é a pessoa mais apropriada para comentar esse assunto. Eu diria apenas que nós precisamos ter um equilíbrio entre segurança nacional e desenvolvimento econômico, e seguir essa linha de forma cuidadosa e equilibrada.(Patrícia Campos Mello/FolhaPressSNG)