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Gigante das Armas, Taurus comemora lucro de 2018 e tenta deixar falhas no passado

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Uma das maiores fabricantes de armas leves do mundo, com mais de 2 mil vendas por dia no ano passado, a empresa brasileira Taurus está comemorando nesta sexta-feira, 29, a divulgação de resultados que apontam um aumento no lucro bruto da operação, que chegou a R$ 307 milhões, o triplo do obtido em 2017. Isso se deve mais à reorganização da linha de produção e à renegociação da dívida, cujo valor bruto é de R$ 908 milhões, do que à perspectiva de crescimento do mercado interno com a facilitação de acesso a armas já em andamento no governo do presidente Jair Bolsonaro.

O cenário positivo tenta deixar para trás os golpes à credibilidade da marca decorrentes de sucessivos relatos de falhas nos equipamentos, que supostamente, em alguns casos, disparavam sozinhos, colocando em riscos todos os envolvidos no processo. Em 8 de janeiro, a empresa firmou acordo preliminar em ação judicial nos Estados Unidos para pagar US$ 7 milhões depois que supostos defeitos foram apresentados em modelos de revólveres. No Brasil, os relatos também se multiplicaram e, mais recentemente, em fevereiro, a Polícia Militar do Distrito Federal recolheu 400 submetralhadoras da fabricante alegando falhas.

Mas para Salésio Nuhs, CEO da Taurus, essas são histórias do passado - ainda que destaque que nenhuma perícia indicou que de fato as armas disparavam sozinhas. Agora, o tempo é de comemorar o funcionamento das linhas de montagem totalmente automatizadas, que permitiu a redução dos custos e aumento da qualidade do produto. "É o maior lucro bruto de todas as empresa do segmento que têm capital aberto. Isso não veio de aumento de preços, mas de mudanças estruturais da companhia", diz. "E vamos continuar repetindo os bons resultados."

Para ele, os relatos de falhas são "problemas das gestões anteriores" - as armas do Distrito Federal, por exemplo, foram fabricadas em 2012, segundo conta. "Isso faz parte do nosso passado. Não temos nenhum problema gerado na nova gestão e não é por acaso. As mudanças foram substanciais no controle de qualidade e no protocolo de desenvolvimento de produtos, que é superior à qualquer norma internacional", explica.

A perspectiva de continuidade no crescimento vem principalmente do ânimo com o mercado americano. Os Estados Unidos representam, de longe, a maior parte da destinação final do que é produzido tanto na fábrica em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, quanto na planta na Flórida, que está de mudança para o Estado da Geórgia, o que vai permitir dobrar a capacidade de produção.

Os resultados da empresa mostram que 75% da receita líquida com a venda de armas veio dos Estados Unidos. A valorização do dólar ante o real, nesse aspecto, é uma notícia para as finanças da fabricante brasileira. Das 817 mil unidades vendidas, apenas 102 mil ficaram dentro do Brasil. Em 2018, a Taurus exportou armas para 32 países, com destaque para as vendas para Omã cuja receita representou mais de 40% do total das exportações para outros países.

"Ganhamos uma licitação da polícia nacional das Filipinas, que é um país exigente. A confiança na marca está aumentando. Depois de todos os testes com lama, queda de altura, água, arrasto em areia, testes de resistência diversos, fomos aprovados com méritos", diz Nuhs. O país é presidido por Rodrigo Duterte, cuja política de combate ao crime tem elevado a violência no país, com inúmeros relatos de excessos policiais.

Em breve, a Taurus poderá entrar no mercado indiano. Em fevereiro, avançou na constituição de uma joint venture para comercialização de armas no país cuja população chega a 1,37 bilhão de pessoas, e "conta com forças policiais e militares de grande efetivo", como destacou no comunicado dos resultados financeiros.

Com relevância internacional, e tendo os Estados Unidos como referência, a empresa presta mais atenção às movimentações políticas de Donald Trump do que nas medidas prometidas por Jair Bolsonaro. "O mercado americano é o mais importante para qualquer empresa do setor. Mas o Brasil é a nossa prioridade. Somos brasileiros, desenvolvemos nossos negócios aqui", aponta o CEO da Taurus, acrescentando que não há nenhuma perspectiva de mudança no sentido de restringir acesso a armas nos Estados Unidos, "porque faz parte da cultura deles".

No Brasil, as mudanças já estão em curso. Em janeiro, Bolsonaro baixou um decreto em que facilita o acesso a armas de fogo por civis; ele promete ainda tratar com um Congresso de mudanças mais robustas nessa direção. A Taurus ainda não estima quanto isso deve impactar nas vendas realizadas no País nem chegou a sentir o aquecimento do mercado, mas também não se preocupa com isso. "Ainda que dobre a demanda, temos capacidade plena de atendê-la", diz Nuhs. O que preocupa mais a empresa é uma eventual abertura para concorrentes estrangeiros, como chegou a ser prometida pelo presidente durante a sua campanha presidencial.

Hoje, a Taurus detém uma espécie de monopólio no Brasil. As importações para órgãos de segurança pública são raras, assim como as voltadas para civis. Na onda de questionamento sobre a qualidade dos produtos, o então deputado Bolsonaro já falava sobre a necessidade de abertura do mercado. Agora como presidente, ainda estuda a medida. "O que queremos é que a empresa que vier pague os mesmos impostos que pagamos e se submeta às mesmas certificações de qualidade que nós. O que não é justo é haver uma importação sem que a empresa lide com a realidade brasileira. Queremos isonomia", diz Nuhs.

O CEO da Taurus foi visto como convidado vip na posse do presidente Bolsonaro, em 1º de janeiro em Brasília. Por algum tempo, no início do ano, sua foto de perfil no Whatsapp mostrava o registro feito naquele dia, ao lado do eleito. Perguntado sobre a proximidade que têm com o presidente, Nuhs desconversa. "Questões institucionais são tratadas com o Ministério da Defesa. Até conversava com Bolsonaro quando ele era deputado e visitava as feiras. Agora, não trato diretamente com ele sobre esses assuntos", diz.

Se não há contato, certamente há afinidade sobre o assunto. Questionado sobre comandar uma empresa de armas em um País que soma 63 mil homicídios por ano, 70% deles cometidos com arma de fogo, Nuhs diz que o produto da empresa é voltado para assegurar a proteção - no ano passado, a empresa suíça Ruag desistiu de abrir uma fábrica de munições em Pernambuco para não se associar ao aumento da violência notado no Brasil. "O problema não está nas armas, mas, sim, nas pessoas. O problema também é a impunidade. Quantos homicídios são esclarecidos no Brasil?" questiona.

Não há dado oficial sobre esclarecimento nacional de homicídios. Pesquisa do Instituto Sou da Paz chamada "Onde mora a impunidade?" mostrou que a maioria dos Estados brasileiros não sabe quantos casos de assassinatos são investigados e solucionados. A entidade pediu dados a todos os governos e só de seis conseguiu calcular um índice de esclarecimento em crimes dessa natureza: Pará (4%), Rio (11%), Espírito Santo (20%), Rondônia (24%), São Paulo (38%) e Mato Grosso do Sul (55,2%).

Nuhs acredita que a arma, na verdade, pode ser um importante instrumento de defesa em meio à violência no Brasil. "Na minha concepção, poder comprar arma de fogo vai diminuir a violência para o cidadão comum, levando à dúvida ao meliante se tem ou não arma em casa. Até ontem, o cidadão estava refém na sua casa", diz. A posição não encontra respaldo entre pesquisadores da área, que pedem a manutenção das restrições de acesso a armas.