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Desejo de ingresso na OCDE faz Brasil ceder aos EUA sem garantia de nada

País enfraquece em vez de fortalecer a parceira Argentina

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Com a larga experiência de 48 anos de vivência no comércio exterior brasileiro, o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, se declara perplexo com os acontecimentos desta semana, após a visita do presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos, onde foi recebido na Casa Branca, pelo presidente Donald Trump. A ideia de comprar mais trigo americano, desalojando as compras junto à Argentina, mereceu reparos: “Em vez de fortalecer nossos vizinhos, que estão em crise econômica, vamos deixar de comprar um produto primário que gera caixa para eles comprarem manufaturados, como veículos e caminhões do Brasil”, disse.

A última visita oficial de um presidente brasileiro aos EUA foi em 2001, quando Fernando Henrique Cardoso negociava a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), com Bill Clinton. Eleito em outubro do ano seguinte, Lula já foi recebido por George W. Bush, em dezembro de 2002 na condição de presidente eleito, não ainda de chefe de Estado. E, por influência de Hugo Chaves, sepultou a ideia da ALCA. Nos seus dois governos, Lula foi à ONU, mas nunca negociou, assim, como a sucessora Dilma Roussef, questões de Estado e do interesse da economia brasileira.

O presidente da AEB lembra que é longo o jejum de missões empresariais oficiais que acompanham comitivas de presidentes brasileiros para discutir temas sensíveis do comércio exterior e de serviços, incluindo patentes, entre os dois países. A disposição para o diálogo do presidente Bolsonaro, que atendeu a vários pleitos americanos, sem qualquer contrapartida na abertura do maior mercado consumidor brasileiro a produtos brasileiros, deixou José Augusto de Castro e muitos empresários brasileiros perplexos.

O raciocínio do presidente da AEB é objetivo. “Os Estados Unidos são o maior mercado do mundo e estão, por orientação de Donald Trump, em queda de braços com a China e eventuais parceiros mundiais para aumentar sua influência no comércio e serviços, temas da Organização Mundial de Comércio (OMC), onde temos tratamento preferencial”. Mas em troca de agradar a Donald Trump, cujo mandato expira em menos de dois anos, o Brasil fez concessões, na esperança de ganhar apoio dos Estados Unidos para ingresso no clube da OCDE. Me parece uma compra sem recibo, sem garantia”, observa.

“Imagine se Trump perde a reeleição e voltam os democratas, que são mais protecionistas”? Os Estados Unidos, com Trump, estão impondo restrições de US$ 30 bilhões à China em produtos agrícolas. É justamente o nosso mercado. Se os Estados Unidos venderem mais soja e carne de frango, de suínos ou de bovinos à China, seremos prejudicados. Aliás, não entendi: o governo Temer, conseguiu, no ano passado, a abertura do mercado americano para a venda de carne bovina in natura do Brasil. Mas não vi a nossa ministra da Agricultura discutindo ou implementando a questão. Ir aos Estados Unidos sem uma agenda pré-determinada com compromissos de governo e dos empresários dos dois lados, deixou o flanco aberto para o mais forte...”. 

Balança desigual 

A importância dos Estados Unidos é inegável no comércio exterior brasileiro. No ano passado o Brasil exportou US$ 28,774 bilhões para lá e importou US$ 28,967 bilhões, com pequeno déficit de US$ 193 milhões. A China é o líder nas exportações brasileiras. Só as vendas de soja superaram em 2018 todo conjunto vendido aos EUA. Já para a Argentina, o Brasil importou US$ 14,9 bilhões e exportou pouco mais de US$ 11 bilhões. As vendas de trigo pela Argentina somaram US$ 1,3 bilhão, segundo dados da AEB. A Argentina vendeu US$ 1,850 bilhão em veículos e US$ 2,4 bilhões em caminhões. Já o Brasil vendeu US$ 3,850 bilhões em automóveis (que expressiva pela crise econômica dos vizinhos) e mais US$ 1,083 bilhão em caminhões e ônibus. 

Para o presidente da AEB, a entrada do Brasil na OCDE seria ótima “se já tivéssemos custos competitivos para participar de um mercado sem certas tarifas preferenciais reconhecidas pela OMC. Isso exige um longo caminho: contenção do déficit público, reforma tributária e menos burocracia na vida empresarial e no comércio exterior. O mercado é uma via de mão-dupla. Temos de estar preparados para o fluxo nos dois sentidos. Quando abrimos nosso mercado e não damos condições de competitividade, por falta de reformas estruturais, às empresas e produtores brasileiros, o resultado é prejudicial”, disse José Augusto de Castro. Ele citou o fim do acordo comercial com o México, como um exemplo. “Não garantimos a presença brasileira no México, por falta de custos competitivos. Agora, nada impede de automóveis e eletroeletrônicos mexicanos invadirem o Brasil”.

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brasil | OCDE