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Abril é vendida por R$ 100 mil

Empresário Fábio Carvalho, que recuperou Casa&Video e Leader, assume dívida de R$ 1,6 bi

Reprodução/Endeavor -
Após o voo frustrado da Varig, Carvalho acumula sucessos em recuperação de empresas
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Advogado especialista em recuperar empresas em crise, amigo do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, o empresário Fábio Carvalho, dono da Casa&Video e da Leader Magazine, assinou ontem contrato de compra de 100% das ações do Grupo Abril, que inclui as revistas Veja e Exame. A operação, que envolve a gráfica, a editora, a distribuidora de revistas e uma empresa de logística do Grupo Abril, foi fechada por um valor simbólico de R$ 100 mil. Fábio Carvalho assume uma empresa com dívidas de R$ 1,6 bilhão, sendo pouco mais de 90 milhões em débitos trabalhistas. Só com os bancos Bradesco, Itaú e Santander, a dívida da Abril chega a R$ 1,1 bilhão. A empresa, que tem 46 mil funcionários, faturou R$ 4 bilhões em 2017, mas registrou prejuízo de R$ 331 milhões, depois de perder R$ 137,8 milhões em 2016.

Pela família Civita, fundadora, em 1950, da empresa que já foi a maior editora de revistas do país, assinaram o negócio os representantes da terceira geração, os irmãos Giancarlo e Victor Civita. Uma das cláusulas do contrato livra os netos de qualquer dívida pessoal. O negócio depende da aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e da injeção de recursos na companhia para financiamento da reestruturação em curso. O mais provável é que o desfecho ocorra em fevereiro. Um dos obstáculos é Carvalho conseguir dos bancos credores a aprovação, já que títulos importantes da editora, como “Veja” e “Exame” foram dados em garantia das dívidas, juntamente com o edifício na Marginal Tietê, em São Paulo.

Carvalho, que foca suas atividades empresariais na compra de companhias em crise financeira, contará com a estrutura da Legion Holdings, sociedade de investimentos que fundou e o apoio do Banco BTG-Pactual, de quem foi parceiro na recuperação da Leader e da Bravante, empresa no suprimento off-shore de petróleo e gás e dona de dois estaleiros no Rio de Janeiro com participação do Pactual.

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Após o voo frustrado da Varig, Carvalho acumula sucessos em recuperação de empresas (Foto: Reprodução/Endeavor)

As negociações com a Abril se arrastaram por quatro meses. O executivo Marcos Haaland, que administra a Abril, em recuperação judicial, propôs, na semana passada aos credores, pagar apenas 8% da dívida em até 18 anos, aplicando assim um calote sobre 92% do valor devido (extraoficialmente estimado em R$ 1,6 bilhão). Entre os credores, além dos três maiores bancos privados do país e dos funcionários, estava a Enforce, empresa recuperadora de créditos do BTG Pactual. Uma vez concretizada a transação, a nova equipe se juntará a executivos do Grupo Abril e aos profissionais da Alvarez & Marsal, responsáveis pela recuperação judicial da empresa.

A Abril e o Brasil

Em nota, Fábio Carvalho assinala que “a história do Grupo Abril está intimamente relacionada com os grandes eventos políticos e econômicos que marcaram a história do Brasil nas últimas décadas. A capacidade e importância jornalística do Grupo é inegável. Não temos dúvida dos méritos e qualidades que permeiam as companhias do Grupo e que serão os pilares sobre os quais nos apoiaremos para superar os grandes desafios que se apresentam”, conclui.

A glória e a agonia do Grupo Abril atravessaram várias décadas. Nos anos 50, a empresa cresceu distribuindo as revistas infantis de histórias em quadrinhos da Disney, como O Pato Donald, Tio Patinhas e Mickey. Nos anos 60 deu um salto com a revista Realidade. A década de 1970 foi do reinado da revista Veja, semanal, e das chamadas revistas técnicas, como Exame e as revistas de moda e decoração, como Claudia e Casa e Jardim. Outro grande sucesso foi a publicação da edição nacional da Playboy.

Os anos 1990 a 200º pode ser considerada a década de ouro do grupo. Enquanto a circulação das revistas oscilava a cada grande crise desde os anos 80, o grupo Abril ampliou o leque dos veículos de comunicação ao criar, em parceria com o grupo Viacom, a MTV, embrião da futura TVA, que absorveu vários canais e se transformou na DirectTV, uma rede de tevês por assinatura. Mas, após vários insucessos, o negócio foi passado adiante em 2013. Nesta década, a crise já rondava o antigo império dos Civita.

Dois anos depois, em fevereiro de 2015, quase dois anos após a morte do pai Roberto Civita, Giancarlo acertou a venda do controle da Abril Educação, hoje rebatizada como Somos Educação, para o fundo Tarpon por R$ 1,3 bilhão. Em dezembro daquele ano, pressionada pelos bancos credores durante negociação para alongar o perfil da dívida da Abril, a família aportou R$ 450 milhões na empresa. Parte ficou com os dois irmãos. Entretanto, com a forte retração de circulação no mercado editorial e o avanço do faturamento pelos gigantes da internet Google e Facebook, de pouco adiantou a injeção. Nada mais funcionava como antes na Abril.

Um dos maiores símbolos da decadência foi o despejo do Grupo, em julho de 2017, dos 21 andares do imponente edifício Birman 21, na Marginal Pinheiros, do qual era inquilino da Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, por inadimplência de vários meses. Fato que escancarou a crise do grupo. Desde então, era contar os dias para o desfecho.

Agora, Fábio Carvalho, que ganhou confiança do BTG-Pactual para desenvolver parcerias empacadas, como a Leader Magazine e a Bravante, terá o seu grande teste. Provar que pode ressuscitar o Grupo Abril onde suas histórias eram cases de sucesso na “Exame”, ainda uma das mais respeitadas revistas de negócios do país.

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O sr. recuperador

Arrojo e risco medido são características do advogado carioca Fábio Carvalho que virou parceiro importante do sistema financeiro quando alguma grande empresa devedora põe em risco a saúde de um dos bancos financiadores. Sua primeira experiência em recuperação de empresas, em 2004, não deu certo. A Varig foi à garra. Mas o aprendizado o fortaleceu para novas empreitadas e o tornou respeitado nos meios financeiros.

O grupo BTG-Pactual o chamou, em 2010, para assessorar a compra do controle do Banco PanAmericano (de Silvio Santos). A Caixa entrou de parceira e pagou o pato pois o rombo não contabilizado pelos ex-gestores era mais do que o dobro do declarado. Mas a atuação de Fábio Carvalho no episódio o credenciou a ocupar uma das vagas no conselho do Pan e selou sua reputação. Num lance ousado, como disse ao site Endeavor, decidiu sonhar mais alto e assumir a frente de negócios em crise.

Teve proposta de emprego em grande banco, recusou e pediu ao ex-futuro patrão R$ 20 milhões para salvar uma empresa. O banqueiro perguntou que garantia que daria.

– Nada, mas você queria me contratar para gerir R$ 200 milhões. Se só perder R$ 20 milhões, te salvei R$ 180 milhões.

O diálogo rendeu frutos. Após meses de negociação, Fabio assumiu a presidência da Casa&Video. Dividiu os riscos com o banco. Adiante dobrou o pedido de empréstimo e comprou 100% da Casa&Video, que vai bem obrigado.